Todas las almas

Todas las almas Javier Marías




Resenhas - Todas las almas


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RicardoDM 31/07/2015

Todas as almas
Algo corrente nos romances do Javier Marías é a inscrição da morte na abertura do texto, o que também se pode verificar em “Todas las almas” (1989): “Dois dos três morreram desde que parti de Oxford, e isso me faz pensar, supersticiosamente, que talvez tenham esperado que eu chegasse e gastasse meu tempo ali para me dar a ocasião de conhecê-los e poder agora falar deles." Esse tema, por sua vez, costuma vir combinado com outro: o tempo, que é experimentado não como algo firme, com um antes, um agora e um depois bem definidos, mas como algo quebradiço -- presente, passado e futuro parecem se dissolver, se misturar, se confundir, dando a impressão de que "nada acontece de fato" (como dirá o narrador de outro romance). Já no primeiro capítulo entra em cena um personagem que a cada dia acorda num momento diferente de sua vida: ora acredita estar na década de 1910, ora na de 1960, ora na de 1930, e assim por diante; é essa crença que o leva a reconhecer, nos que se relacionam com ele na atualidade, pessoas que não vê há muito tempo.

Em determinada passagem de "Todas las almas", encontrei algo que já tinha notado em "Corazón tan blanco" (1992) e "Mañana en la batalla piensa en mí" (1994): a tecnologia como um elemento desmaterializante, que contribui para a sensação de que nada acontece. Em "Todas las almas", um casal dono de um sebo se diverte em assistir, por meio de câmeras de segurança, aos clientes que circulam pela loja; em "Corazón tan blanco", uma amiga do narrador se inscreve num programa de encontros por meio da troca de vídeos (vídeos assistidos repetidamente); em "Mañana en la batalla piensa en mí", o protagonista assiste a filmes antigos na TV, com atores que já morreram, mas que o monitor apresenta vivos; há ainda uma fita de secretária eletrônica cujas mensagens gravadas (algumas inteiras, outras em fragmentos) dão ensejo a longas reflexões do narrador.

Nesses três livros, porém, há um recurso que se opõe à sensação de que nada acontece: todos eles terminam com uma história que precisa ser contada, com um passado que precisa ser lembrado -- via de regra, um passado trágico. Uma vez que o passado adquire corpo, que a dor do que aconteceu mancha enfim o coração tão branco dos personagens, parece abrir-se uma porta para o presente e para o futuro, cabendo aos personagens (e aos leitores?) atravessá-la ou não.
Nanci 31/07/2015minha estante
Ótima resenha pra livro idem.


RicardoDM 31/07/2015minha estante
Obrigado, Nanci! :)


Julyana. 01/08/2015minha estante
Muito boa mesmo, Ric. E confesso uma certa inveja de seu projeto. :))




Aguinaldo 10/04/2011

todas las almas
Este é o último livro que vou conseguir resenhar ainda neste ano. Ao final este foi um ano especial (rima pobre, fazer o quê?) mas este último também é um livro especial. Ganhei-o ainda em Madrid, presenteado por uma grande amiga. Fui lendo aos pouquinhos, talvez para manter a sensação boa de estar a fazer algo que lembrava a viagem e as conversas com os amigos. Terminei nestes dias de pré-festa de Natal. Cristina e eu na verdade nós trocamos livros (debolsillo! ela fez questão de dizer). Mais disciplinada ela já havia terminado aquele que eu havia lhe dado. Sombrio demais ela reclamou (meio de broma, meio preocupada com meu humor). Foi um dos livros semi-autobiográficos do Coetzee, um livro que eu gostei muito de ler no ano passado, mas ele é mesmo um tanto sombrio, mas foi o melhor que eu pude encontrar em espanhol naquele dia no El Corte Inglês. Ela achou este Javier Marias e intuiu que eu gostaria, pois disse que o tema é caro a nós, professores universitários que se encontram em outros países, em outras línguas. "Todas las almas" foi publicado em 2006 e segundo consta é o primeiro livro de Javier Marias onde há temas tão francamente autobiográficos. Ele é um escritor renomado, ganhador de muitos prêmios literários, mas também professor universitário respeitado da Complutense de Madrid e da Universidade de Oxford (descrita sem pejo neste livro), tradutor premiado do Tristram Shandy, entre outros predicados. Há uma nota longa no final do livro onde o autor tenta explicar as diferenças entre o eu narrador do livro, que experimenta um ano sabático na Universidade de Oxford e o eu autor, Javier Marias, de carne e osso, que resolveu contar uma história onde realidade e ficção são muito bem tramadas. Gostei muito do livro. Todo aquele que já teve a experiência acadêmica de ir trabalhar em um lugar diferente de onde está acostumado vai se identificar muito com este livro. Cada capítulo dá conta de uma destas experiências que são banais, mas plenas de significado para o viajante, pois quando viajamos estamos mais nus de que gostaríamos, mais vulneráveis, menos amparados pelo hábito e pelas circunstâncias. A academia, o amor, a amizade, a "estrangeirisse", a memória filtrada de cada gesto, a quase impossibildade de se entender uma outra cultura, um outro povo, uma outra pessoa, tudo está ali neste "Todas las almas", que aliás é o nome de um dos College de Oxford. Há um tanto de Lawrence Durrell nesta novela (de fato um dos personagens do livro é personagem também de Durrell). Lembrei do Fernando Landgraf, que me dizia fazer falta um livro que descrevesse o mundo dos encontros científicos, das viagens, das publicações, da vida acadêmica. Vou recomendar este livro para ele bem como para meus amigos que são verdadeiros "pci", ou puta-cientistas-internacionais, como gosto de dizer. Belo livro, belo presente. Obrigado Cristina.
Todas Las Almas, Javier Marías, editorial Debolsillo, 1a. edição (2006) ISBN: 978-84-8346-139-6
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