Tuca 27/06/2022Publicado pela primeira vez em formato de folhetim em 1858 na revista Household Words, “Minha lady Ludlow” não é um dos trabalhos mais conhecidos de Elizabeth Gaskell, mas não deixa de trazer seu brilho à tona. A vida de Lady Ludlow é o pano de fundo para narrar a diferença de pensamentos entre classes sociais distintas, a evolução social na Europa do final do século XVIII para o início do século XIX, e como o progresso pode afetar as pessoas de acordo com a forma que elas entendem o mundo. As rupturas de status quo tendem a ser dolorosas, porém com recompensas para uns, e desvantagens ou traumas para outros. É assim que Elizabeth Gaskell vai mostrar por que para algumas pessoas – mesmo tendo um coração bom – é tão difícil aceitar as mudanças que surgem na tentativa de se construir uma sociedade melhor e mais igualitária. Essas pessoas simplesmente não querem perder seus privilégios, no entanto, às vezes, há um medo ainda maior de se perder muito mais.
Narrado em terceira pessoa por uma narradora testemunha, Margaret Dawson, uma jovem solteirona que é colocada sob os cuidados de Lady Ludlow, foi uma escolha perfeita para fazer a retrógrada senhora aristocrata mais palatável ao leitor, porque Margaret tem todos os motivos para amar e lamber o chão que Lady Ludlow pisa. Quando somos apresentados a Lady Ludlow temos uma percepção dela; ao final do romance, temos outra, não apenas por uma discreta mudança de comportamento da personagem, mas também pelo nosso entendimento mais profundo da sua identidade.
Reflexo de uma aristocracia enraizada e resistente, Lady Ludlow detesta o avanço social e pensa que servos não devem aprender a ler nem escrever, imagina algum deles ganhar consciência de classe e descobrir o poder dos trabalhadores para reivindicar direitos? Lady Ludlow é a versão da “tia reacionária” do século XIX. E como ter empatia com esse ser que acredita em uma hierarquia social e despreza o crescimento intelectual e financeiro dos mais pobres? A mágica de Gaskell nesse livro é fazer o leitor sentir um pouco de empatia pela tia reacionária. E ela faz isso por meio de Margaret Dawson, pela história de vida de Lady Ludlow que é afetada por acontecimentos históricos da época, e pela gama de personagens que estão ao seu redor, cujas atitudes sempre a impulsionam para uma reflexão.
Com uma mulher que passou décadas com uma mentalidade engessada achei lindo o modo a partir do qual Gaskell fez desse um romance de formação de uma idosa. É possível entender a personalidade de Lady Ludlow, o porquê de seus preconceitos, o modo como sua mente funciona, e o principal: ao mexerem nos pontos certos de Lady Ludlow podemos ver que ela consegue em pequenos gestos mostrar uma disponibilidade de evolução. Gaskell humanizou a “tia reacionária”, e fez desse um enredo muito político e realista, o aspecto político se enfatizou ainda mais pelo fato de Lady Ludlow ser a proprietária daquelas terras e responsável não apenas pelos seus servos, mas por toda uma comunidade. Há uma busca por um entendimento de como é possível que ricos e pobres vivam em comunidade sem se odiarem e em como as diferenças e os preconceitos entre as classes sociais podem afetar a felicidade das pessoas.
Não acho que seja um livro que vá agradar a todos, mas assim como a maioria dos livros de Gaskell, ele tem um enredo bastante inteligente se você lê-lo com atenção. Não acredito que foi à toa, por exemplo, escolher contar essa história no espaço do campo (interior) da Inglaterra, onde os modernismos demoravam a chegar, e por meio de um romance histórico firmado em um período que ela indica ser entre o final do século XVIII para o início do século XIX, ou seja, em uma virada secular que pode representar a saída do velho para a chegada do novo. Para mim, mais uma vez Gaskell se mostrou atemporal com essa trama que em essência pode se adequar a qualquer contexto político-social de qualquer era da história.
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