João Herberth 16/08/2024
O perigo de estar lúcida ou "A coisa mais importante a fazer todos os dias que você vive é decidir não se matar".
Sendo um criador eu mesmo (porém, tendo minhas dúvidas quanto a ser um artista) sempre me fascinou a relação que a criatividade tem com a loucura. Como no título do incrível conto de Borges, acredito que ambos, o artista e o louco, são como um "Jardim de caminhos que se bifurcam", visto que as similaridades entre eles sejam abundates, muitas das vezes apenas diferindo nos seus fins. Mas vamos ao livro.
Esse é meu primeiro contato com a autora, e definitivamente não será o último. Durante as 272 páginas, Rosa Montero nos apresenta um número infíndável de artistas, em sua grande maioria escritores, que conviveram de maneira intensa com o desvario, passaram suas vidas constantemente à beira do precipício e, não raramente, terminaram por sucumbir ao mergulho fatal da morte por escolha. No livro há uma citação de Eric Kandel que considero uma das mais simples, eficazes e elegantes definições sobre transtornos mentais "ao que parece, todas alterações psiquiátricas surgem quando certas partes da rede neural - alguns neurônios e os circuitos em que se encontram - são hiperativas, estão inativas ou são incapazes de se comunicar de modo eficaz." Por falar em citações, o livro é repleto delas, algumas engraçadas, outras sagazes, muitas delas realmente comoventes, poderia escrever minhas impressões apenas com elas - aliás, a frase do título dessa resenha é de Camus. Um dos maiores trunfos da escritora é sua enorme empatia, o que fica evidente durante toda obra, ao fim da leitura é como se nos fosse dada a oportunidade de compartilhar uma longa conversa com inúmeras criaturas notáveis, que vem e vão, e Rosa Montero fosse nossa host. Mas O perigo de estar lúcida não se trata apenas de uma colagem de fragmentos da vida de personagens célebres e citações, a própria autora compartilha casos de sua própria vida, alguns inclusive tão absurdos que me peguei duvidando, achando que a qualquer momento ela pararia a narrativa e diria "ah, rá, te peguei!" e descreveria que tudo não passava de ficção. Não era. Bom, termino essa resenha, ou quase isso, para falar que tive que me esforçar para não revelar demais aqui, pois espero que, caso você não tenha lido ainda, não perca o prazer da descoberta. Vai por mim, é um livro que vai valer muito a pena.
PS. Ted Hughes era um filho da p*ta.