Ariadne 08/12/2023
Nesta sátira, Ercilia Nogueira Cobra denuncia a configuração patriarcal e sexista do Brasil do início do século XX. Com uma linguagem irônica e destemida, a escritora expõe, de maneira brutal, o papel da mulher nesse contexto e os privilégios e egoísmos do sexo masculino. O amor livre, a liberdade sexual e a escolarização da mulher são sua defesa.
Na república da Bocolândia, o analfabetismo, o amarelão e o jogo do bicho são os frutos dos interesses dos bocós. O não investimento em educação e escolarização para o sexo feminino, a prostituição, o casamento arranjado, a ausência de liberdade sexual da mulher e a hipocrisia da religião são alvo de duras críticas da protagonista Cláudia. Quando a personagem percebe que o interesse do homem para com as mulheres ricas é egoísta, e ainda pior é o sentimento para com as mulheres pobres, ela nega o casamento e parte em direção à capital, Flumen, em busca de sua liberdade.
Constantemente se perguntando o porquê da importância da virgindade para a mulher (sendo que ao homem lhe é permitido tudo), ela a perde em um trem, com um estranho. Quando indagada por policiais sobre a circunstância da perda de sua virgindade, ela afirma que a perdeu porque quis, mesmo que com a afirmação venha a obrigação dos exames de provação, os quais, segundo a autoridade local, serviam para protegê-la.
“Se quisessem protegê-la de fato, davam-lhe instrução profissional, concediam-lhe os mesmos direitos que ao homem! Protege a mulher! E é a mim que o senhor vem dizer isto? A mim que acabo de chegar a esta cidade onde em cada esquina há um rendez-vous e em cada canto um bordel? Protege a mulher à custa de tão torpe vexação! Infames” (COBRA, 2022, p. 42)
Como mulher que não teve acesso ao estudo das ciências porque fora educada para casar, Cláudia encontra na prostituição seu sustento. À filha, nomeada Liberdade, promete condições verdadeiras de acesso ao ensino superior e à emancipação.
Apesar de não se dizer de fato feminista, Cobra aborda questões caras para a época. A constante retomada da relação entre a falta de políticas ativas com foco na mulher e a condição de subjugação do sexo feminino é assunto que, como se sabe, já estava em circulação na imprensa feminista do final do XIX e inicio do XX.