joao.vitor. 20/12/2022
Notável obra poética da Terceira Geração Romântica
Primeiramente, minha leitura de "Espumas Flutuantes" foi aquela publicada pela Editora Avenida em 2012. Não obstante contenha o texto integral (apenas com pequenas mudanças na grafia), preservando o espírito da escrita de Castro Alves, confesso que esta edição deixa a desejar. Não há um sumário para consulta, nem mesmo informações adicionais sobre a biografia do autor e o contexto em que a obra foi publicada, requisitos mínimos que, ao meu ver, devem constar em uma edição de quaisquer obras clássicas.
No que toca ao livro, "Espumas Flutuantes" (1870) é a única coletânea poética publicada por Castro Alves (1847-1871) em vida. Composta por 53 poemas, é considerada uma das obras mais ilustres da Terceira Geração Romântica Brasileira (também conhecida como Condoreirismo, posto que foi marcada por um forte sentimento de igualdade e liberdade, representados pelo condor, uma ave de grande porte).
O poeta e dramaturgo Antônio Frederico de Castro Alves nasceu na Bahia, numa fazenda próxima à vila de Curralinho, hoje uma cidade que leva o seu nome. Alves, célebre por sua poesia engajada na defesa pelas causas sociais - tendo inclusive criado, em parceria com Rui Barbosa (1949-1923) e outros colegas com quem estudara na Faculdade de Direito do Recife, uma sociedade abolicionista -, ganhou a alcunha de "Poeta dos Escravos", além de ser um forte entusiasta republicano. Além da obra "Espumas Flutuantes", destacam-se "Os Escravos" (esta incompleta), "O Navio Negreiro", "A Cachoeira de Paulo Afonso" e "Gonzaga ou A Revolução de Minas".
Com relação à "Espumas Flutuantes", foi profundamente inspirada pelo Romantismo francês de Victor Hugo, vide as inspirações revolucionárias e liberais nos idos do século XI; figuras como Lord Byron e Alphonse de Lamartine também exerceram influência na sua escrita. Acredito que o curioso título da obra simboliza tanto a condição de efemeridade do próprio poeta, que sente a proximidade do seu fim, esvaindo-se a sua vida como as espumas de um oceano; quanto o fato dos poemas, em sua pluralidade de temáticas e anos diferentes de escrita, não seguirem um fluxo regular, num mix de poesia político-social e lírico-amorosa, tal qual as desordeiras espumas marítimas. O viés lírico-amoroso, inclusive, ganha destaque e é revestido de forte sensualidade e realização mais concretas, em contraposição àqueles poemas da Segunda Geração.
É válido ressaltar que o breve e caloroso, mas conturbado, relacionamento de Castro Alves com a atriz portuguesa Eugênia Câmara (1837-1874) transformaria para sempre a vida e o fazer poético do escritor. Ela foi a sua eterna musa, e como não seria diferente, ele dedicou-lhe vários de seus escritos, como o drama "Gonzaga ou A Revolução de Minas" e muitos poemas presentes em "Espumas Flutuantes".
Gostaria de destacar trechos de alguns dos meus textos poéticos preferidos:
"O Livro e a América" (sem data oficial de escrita)
“Por isso na impaciência / Desta sede de saber, / Como as aves do deserto — / As almas buscam beber… / Oh! Bendito o que semeia / Livros… livros à mão cheia… / E manda o povo pensar! / O livro caindo n’alma / É germe — que faz a palma, / É chuva — que faz o mar.”
O poema traz uma perspectiva crítico-social: a leitura, para além de proporcionar aos seus destinatários um conhecimento mais amplo sobre assuntos diversos, pelo simples prazer (a "sede de saber", nas palavras de Alves), aprimora a capacidade reflexiva do leitor, essencial a toda pessoa. Assim, na visão do poeta, a leitura e a produção literária no Brasil (e quiçá, na América) seriam os dois fatores-chave para uma transformação efetiva de um cenário relacionado à alienalização do indivíduo. Os versos supraditos sintetizam muito bem tal pensamento.
"Sub Tegmine Fagi" (1867)
"Quando penetro na floresta triste, / Qual pela ogiva gótica o antiste, / Que procura o Senhor, / Como bebem as aves peregrinas / Nas ânforas de orvalho das boninas, / Eu bebo crença e amor! [...]
Vem! Do mundo leremos o problema / Nas folhas da floresta, ou do poema, / Nas trevas ou na luz... / Não vês?... Do céu a 🤬 #$%!& pula azulada, / Como uma taça sobre nós voltada, / Lança a poesia a flux!..."
Em "Sub Tegmine Fagi", como bem exprimem os belos versos supracitados, Castro Alves nos brinda com a admiração pela natureza, a beleza da vida campestre, cujo tom melancólico percorre as cenas descritas. A mensagem poética também é um convite para nós adotarmos tal atitude, em meio à rotina muitas vezes sufocante dos tempos modernos.
"O 'Adeus' de Teresa" (1868)
"A vez primeira que eu fitei Teresa, / Como as plantas que arrasta a correnteza, / A valsa nos levou nos giros seus... / E amamos juntos... E depois na sala / "Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala... / E ela, corando, murmurou-me: 'adeus.' [...]
Passaram tempos... sec'los de delírio / Prazeres divinais... gozos do Empíreo ... / Mas um dia volvi aos lares meus. / Partindo eu disse - 'Voltarei! descansa!. . .' / Ela, chorando mais que uma criança, / Ela em soluços murmurou-me: 'adeus!' [...]
Quando voltei ... era o palácio em festa!... / E a voz d'Ela e de um homem lá na orquestra / Preenchiam de amor o azul dos céus. / Entrei!... Ela me olhou branca... surpresa! / Foi a última vez que eu vi Teresa! / E ela arquejando murmurou-me: 'adeus!'".
Este é um claro exemplar em que o lirismo poético de Alves alcança sua plenitude. Quão intensa foi essa leitura! Percebe-se que o sentimento platônico cede lugar à realização plena do amor; e com esta, tanto a felicidade como as frustrações amorosas são mais reais. Poema curto, mas de vultosa beleza, "O 'Adeus' de Teresa", concomitante o título indique uma despedida, nos convida à revisitar a sua poesia, cuja história de amor traz um desfecho inesperado, trantando-se do Romantismo. Recordei-me de filmes clássicos sobre desalentos amorosos e que emitem uma aura singular, como "Casablanca" (1942).
"Ode ao Dous de Julho" (1868)
"Era no dous de julho. A pugna imensa / Travara-se nos cerros da Bahia... / O anjo da morte pálido cosia / Uma vasta mortalha em Pirajá. / "Neste lençol tão largo, tão extenso, / "Como um pedaço roto do infinito... / O mundo perguntava erguendo um grito: / "Qual dos gigantes morto rolará?!..." [...]
No entanto a luta recrescia indômita... / As bandeiras — como águias eriçadas — / Se abismavam com as asas desdobradas / Na selva escura da fumaça atroz... / Tonto de espanto, cego de metralha, / O arcanjo do triunfo vacilava.../ E a glória desgrenhada acalentava / O cadáver sangrento dos heróis..."
Este é um poema de caráter épico, cuja linguagem vibrante, em tom declamatório, ajuda a construir imagens grandiosas da escrita. Castro Alves deixa-nos o seu tributo às pessoas baianas que defenderam com bravura, para além da independência de sua província, a emancipação política do Brasil; e rememora a máxima da Conjuração Mineira (1789-1792): "libertas quae sera tamen" (liberdade ainda que tardia).
"Aves de Arribação" (1870)
"Um dia Eles chegaram. Sobre a estrada / Abriram à tardinha as persianas; / E mais festiva a habitação sorria / Sob os festões das trêmulas lianas.
Quem eram? Donde vinham? — Pouco importa / Quem fossem da casinha os habitantes. / — São noivos —: as mulheres murmuravam! / E os pássaros diziam: — São amantes!" [...]
Hoje a casinha já não abre à tarde / Sobre a estrada as alegres persianas. / Os ninhos desabaram... no abandono / Murcharam-se as grinaldas de lianas.
Que é feito do viver daqueles tempos? / Onde estão da casinha os habitantes?/ ... A Primavera, que arrebata as asas... / Levou-lhe os passarinhos e os amantes!...".
Acredito que este é um dos poemas da obra em que a influência da relação amorosa do poeta com Eugênia Câmara se manifesta com mais veemência. Segundo fontes históricas, o casal se mudou para São Paulo, onde Castro Alves objetivara terminar os seus estudos de Direito. Contudo, em meio às constantes desavenças entre os dois, cujo principal indício seria a notável vaidade do poeta, acabaram por separar-se. Por fim, a atriz portuguesa retomou a sua carreira nos palcos.
Fatos expostos, é certo que a primorosa escolha vocabular e da pontuação, e o uso de figuras de linguagem empregado por Alves, contribuem deveras para ampliar a beleza poética de "Aves de Arribação".
Têm-se, portanto, uma melancólica história de dois errantes amorosos que, como aves migratórias, arribam, "levantam vôo" daquele lugar, em busca de novas paragens ignotas.
Em suma, "Espumas Flutuantes" é uma obra que merece destaque no rol da literatura nacional. O estilo poético apaixonado de Castro Alves - sobretudo sua lírica-amorosa, que nesta predomina -, marcado por grandiloquência e sensibilidade inconfundíveis, foi um marco para a Geração Condoreira. E a transitoriedade simbolizada pelo livro é impactante - são as peculiaridades da vida, a cujos amores e dissabores todos nós estamos passíveis.