NAbia15 13/08/2023
O recomeço do Barão
Alguém. Ele ainda se lembrava vividamente dos olhos amendoados da mãe de Ezequiel. Por Deus, daria tudo para escutar o riso dela outra vez, ou ainda, escutar aquela voz suave.
creio que está ciente do número de moças estrangeiras que são seduzidas por propostas de trabalho em nossa terra e logo se tornam prisioneiras de um esquema desumano.
Rio de Janeiro, 1847 ?Alguém havia soltado um monstro no coração dos homens. Suas vítimas chegavam dia após dia. Homens, mulheres, idosos... em grande parte negros. Quando conseguiam ser identificados, a história era bastante semelhante: estavam próximos da alforria ou a obtiveram dias atrás. Pedro fazia o seu melhor para salvar todos, mas os óbitos eram absolutos.
Ao fim de cada dia Pedro estava com as mãos sujas de sangue derramado
por maldade e ele se sentia velho como nunca. Reconhecia que a medicina ainda era uma área que precisava desenvolver enormemente, mas era aterrador o sentimento de impotência. Exausto, desamparado, decidiu voltar para sua pequena e abarrotada sala para escrever para o filho. Sempre era bom pensar em Ezequiel. Então ele se lembrava de Claudia e das crianças e no instante seguinte conseguia sorrir. Enquanto escrevia a saudação para o filho, uma enfermeira chegou ofegante na porta. ? Doutor! Temos mais uma emergência! Pedro respirou fundo, se esqueceu da carta e saiu a passos largos. A jovem enfermeira, assim como todos que trabalhavam ali, apresentava sinais de exaustão. A equipe da Santa Casa de Miserocórdia era numerosa, mas ainda escassa diante da demanda. Ao chegarem na enfermaria, outra enfermeira lutava para conter o sangramento em uma mulher negra. Alguém a acertou em cheio, assim como tantos outros. Pedro precisaria notificar aquilo e contar com a ajuda das autoridades. Não era um mero ato de covardia e sim assassinato em série. Confiando em suas habilidades
Pedro iniciou a luta pela vida daquela mulher. Sangue. Quantas vezes ao longo da vida as mãos de Pedro foram tingidas de vermelho? Quantas vezes ele conseguiu trazer alento para alguém e quantas nada conseguiu fazer por seu semelhante? A vida de um médico consistia em batalhas,
Pedro respirou fundo e usou o braço para secar o suor da testa. ? O que cabe à nós foi feito. Agora ela está nas mãos de Deus. Ele acreditava. Sempre que dizia aquilo, Pedro acreditava que Ele estava escutando. Se aquela mulher ainda tivesse algo para fazer nessa vida, mais cedo ou mais tarde voltaria a si.
Quando a lua brilhou no céu, Pedro estava esgotado. Amava o ofício, mas parecia que a idade começava a pesar um pouco. Seu corpo cobrava um preço mais alto do que ele gostaria por tantas tarefas diárias. Verdade fosse dita, ele sonhava em voltar para casa e construir no vilarejo seu pequeno hospital. Ofereceria recursos para as pessoas simples que jamais poderiam deixar o interior, mas que precisavam de cuidados.
A vida passava rápido demais. Um sopro. Em um instante ele segurava o filho nos braços e chorava a morte da esposa. No instante seguinte, ele podia segurar o neto e ver que uma vida inteira havia passado.
Pedro estava mais uma vez com as mãos rubras de sangue. Ao contrário da paciente do dia anterior, o pobre homem não teve a mesma sorte. No bolso da calça desgastada estava a carta de alforria datando dois dias antes. Pedro tomou nota do nome do falecido, assim como da data da alforria. Então foi conferir os registros de óbitos. Nas duas últimas semanas foram atendidas seis pessoas com aquele padrão de ataque. O número era assustador. Tomando nota de detalhes como nome e idade, Pedro esperava que a condessa e sua equipe conseguissem descobrir para quem aquelas pessoas trabalhavam. Ele também tinha esperanças de que a única sobrevivente até então, ainda
A mulher parecia flutuar. Seus passos leves e silenciosos contrastavam com a voz calorosa. ? Doutor, sabe que não resisto a novidades. Certamente sabia que eu seria uma das pessoas que Nice iria contatar diante de tais acontecimentos.
Ela precisa morrer, Pedro. O médico ficou tão chocado com a afirmação que demorou alguns instantes para responder. Considerava Violante uma mulher com uma mente admirável e tal afirmação o pegou totalmente desprevenido.
e segurança que não houve outra saída a não ser aceitar, não a verdade, mas o plano que se formou na mente da mulher. ? Estamos falando a única sobrevivente de um assassino. Ela é uma caça. Quem estiver fazendo isso não vai gostar de saber de um insucesso. E se ela viu o rosto do assassino? Essa mulher não terá um lugar seguro no mundo enquanto este monstro estiver solto por aí. Ela precisa ser declarada morta se quiser viver.
deu um sorriso torto, iluminando a pouca parte do rosto que ficava exposta por conta da estranha larga aba do chapéu que usava. ? Ela manda, eu obedeço, doutor. Devo concordar que essa vida ainda vai me matar. Pedro riu. ? Só morre quem está vivo, não é? Eros gargalhou. ? Exatamente, doutor. Eros colocou a mão em um bolso interno do colete e entregou um envelope para o barão. O selo de Nice lacrava a missiva, como era esperado. Eros só era subordinado a ela. Ele aguardou enquanto o barão rompia o lacre e lia a mensagem, uma vez que poderia ser necessário levar uma resposta. Porém, Pedro apenas queimou o papel e agradeceu. Eros se despediu e deixou o cômodo com sua habitual elegância. Ele era a perdição da sociedade em mais de uma forma. O papel com as palavras de Nice não existia mais, porém elas continuavam ecoando na mente de Pedro. Alfredo será julgado e condenado amanhã. Firmino fugiu com ajuda
de algum guarda. Hades resolverá o problema.
Alheia, Rosa ainda sofria, perdida em uma visão aterrorizante. Ela tentava se libertar, se preparava para gritar novamente, aflita pelos acontecimentos, quando uma mão morna e macia tocou seu rosto e isso a confundiu. Não via ninguém, mas sentia o toque. A realidade se infiltrou no pesadelo e por fim Rosa abriu os olhos, vendo apenas uma silhueta escura ao seu lado e a mão ainda tocando seu rosto com carinho. Mesmo a ponto de tremer de medo, havia algo em si que reconhecia o toque e a presença. Estava segura. Estava com o barão.
Mesmo que Pedro já esperasse o momento da noite em que os pesadelos de Rosa começariam, ele alimentava a esperança de que a tranquilidade da fazenda acalmasse os tormentos da mulher. O silêncio da madrugada foi invadido por um grito e Pedro já estava de pé, correndo para o quarto de sua hóspede. Mais uma vez Rosa se debatia, agitada, sofrendo o tormento que tinha ficado para trás na realidade, mas ainda assombrava em sua memória. Com cuidado, Pedro segurou as mãos frias de Rosa, murmurou palavras para acalmá-la e quando ela finalmente abriu os olhos, não parecia calma como das outras vezes. ? Por favor, deixe-me ir. O sussurro trêmulo surpreendeu o barão.
? O senhor não teve culpa. Pessoas nascem e morrem todos os dias. Essas pessoas são o mundo para alguém, mas o tempo não se importa.
fazem com que cintilem. Haverá o momento em que seu coração irá gostar de alguma. O senhor não ficará mais sozinho. Era fácil imaginar. Pedro era um homem bonito, maduro, gentil. Muito melhor do que os rapazotes arruaceiros que se via com facilidade na corte. Tola seria a mulher que não o visse como um pretendente. E todas essas mulheres, damas finas e de bom nome, seriam infinitamente melhores do que ela. ? Rosa... ? A voz do barão a resgatou de seus devaneios desagradáveis. ? Já conheci todas essas mulheres. Para muitos homens elas são raras e preciosas, mas para mim... pouco significam. Mas você... eu posso cobri-la de joias, mas nada será mais brilhante do que seus olhos e nem mais radiante que seu raro sorriso. Coberta de seda ou de pano cru, não são os acessórios que a tornam bela. É você. Pura. Completa. Com seus medos, pesadelos e cicatrizes. Também tenho meus fantasmas e, mesmo assim, voltei a viver por sua causa. Sei que nada fez para me cativar assim e que pareço um tolo, que estou assediando você descaradamente, mas... após décadas... não consigo esperar mais para voltar a viver.
? Me perdoe. ? Ele beijou seus cabelos demoradamente, enquanto fazia uma força sobre-humana para conter seu próprio ardor. ? Eu não deveria ter agido assim. Você não me deu permissão para tal e jamais irei obrigá-la a nada. Pedro manteve o abraço carinhoso e logo fez de conta que tinha adormecido, acreditando que isso a deixaria mais confortável para também conseguir dormir. Ele demoraria um longo tempo para se acalmar por completo, mente e corpo, enquanto ela era um misto de medo e deslumbramento. Pela primeira vez um homem a escutou. Pela primeira vez ela disse ?não? e foi respeitada. Quando o dia amanheceu, ela estava sozinha. Pedro, que provavelmente saiu de fininho do quarto no meio da noite, a esperava para o desjejum no térreo da hospedagem. Eles partiram cedo,? Me perdoe. ? Ele beijou seus cabelos demoradamente, enquanto fazia uma força sobre-humana para conter seu próprio ardor. ? Eu não deveria ter agido assim. Você não me deu permissão para tal e jamais irei obrigá-la a nada. Pedro manteve o abraço carinhoso e logo fez de conta que tinha adormecido, acreditando que isso a deixaria mais confortável para também conseguir dormir. Ele demoraria um longo tempo para se acalmar por completo, mente e corpo, enquanto ela era um misto de medo e deslumbramento. Pela primeira vez um homem a escutou. Pela primeira vez ela disse ?não? e foi respeitada. Quando o dia amanheceu, ela estava sozinha. Pedro, que provavelmente saiu de fininho do quarto no meio da noite, a esperava para o desjejum no térreo da hospedagem. Eles partiram cedo, antes que a maior parte dos hóspedes acordasse. Ninguém comentou sobre o ocorrido e seguiram viagem conversando alegremente. Rosa nunca tinha viajado tanto e estava adorando
A voz dele, grave e gentil a trouxe de volta, combinando perfeitamente com o rumo dos pensamentos. Focando o rosto do barão, Rosa percebeu que estava vivendo uma lição que tinha escutado várias vezes: as oportunidades do passado se perderam, portanto, não perca o que o presente lhe oferece. Isso sempre acontecia a respeito de comida ou oportunidades em que deveria responder melhor ou mais rápido para evitar castigos. Naquele dia, porém, estava sob a forma de uma libertação mais profunda e dolorosa. Rosa precisava escolher se daria essa chance para si mesma. ? Sim? Pedro indicou a janela e ela observou que estavam passando por um enorme portão de metal, ricamente adornado. Quem colocaria uma obra de arte assim, na entrada de uma propriedade? Certamente a pessoa gostava de ostentar. ? Estamos chegando. Em um misto de empolgação e receio, Rosa olhava com mais atenção por onde estavam passando até que praticamente arfou diante da visão da casa. O terreno amplo, coberto de flores e árvores, ostentava um grande gramado diante da mansão. Os gritinhos das crianças sobressaíam ao canto dos pássaros e ela observou que os pequenos tinham parado suas brincadeiras para vir correr em direção ao veículo em que estavam. ? Ah! Ali estão eles! Assim que a carruagem parou, Pedro saiu e abraçou os netos, sem deixar de apertar a mão do pequeno Vladimir, filho de Miro, o dono da casa, e dar um beijo na mãozinha de Esmeralda, irmã de Vladimir. ? Senhores e senhoritas, por favor, deem espaço para minha convidada de honra. Pedro ofereceu a mão para ajudar Rosa a sair da carruagem. Ela aceitou, torcendo para que ele não percebesse como a sua mão estava fria e trêmula. Ali estava a família dele, os amigos dele. Por mais que ousasse tentar, Rosa não se achava boa o suficiente para estar ali. ? Quem é ela, vovô? ? A pequena Micaela olhava com curiosidade para a desconhecida. Rosa observou a menininha linda que era a neta de Pedro. Seus traços indígenas eram, de fato, evidentes. Seus olhos negros eram brilhantes e inteligentes. Ao seu lado estava um menino com cabelos pretos e lisos, traços parecidos com os da irmã, mas sua pele era bastante clara e ele tinha as bochechas rosadas. Certamente o pequeno Pedro. ? Essa é a senhorita Rosa. Esta é minha neta Micaela, meu neto Pedrinho, a senhorita Esmeralda e o senhor Vladimir. As meninas fizeram mesuras educadas, como pequenas damas, mas os meninos apenas sorriram, um pouco confusos diante da visita inesperada. ? Ah! Quase esqueci! Rosa olhou curiosa para o barão e ele piscou para ela de forma conspiratória enquanto procurava algo no bolso da casaca. Quando ele tirou um saquinho de papel, as crianças começaram a pular e gritar empolgadas: doces. ? Pronto, suas formiguinhas. Pedágio pago. Agora deixem-nos ir até seus pais. A disputa pelos doces se tornou tão acirrada que os pequenos não prestaram atenção nas palavras do barão. Ainda rindo, Pedro ofereceu o braço para Rosa e eles seguiram em direção a um pequeno grupo de adultos formado por dois casais. Ela sentia o olhar das pessoas sobre si, deixando-a ainda mais nervosa.
Se tem uma coisa que posso afirmar, minha querida, é que a vida é curta e muda completamente em um segundo. Aproveite cada oportunidade para ser o mais feliz que puder.
O casamento eminente transformou a casa. Era pouco tempo e muito a ser feito. Enquanto Pedro e Ezequiel seguiram Miro para a forja a fim de discutir o aspecto das alianças, as mulheres foram para o vilarejo. Pelo caminho definiram o cardápio e ao mesmo tempo que Ana acompanhava Rosa até a costureira, Claudia foi para a mercearia. Retornaram ao fim do dia, exaustas e animadas. Após o jantar todos se reuniram para continuar a discutir os detalhes, criando um casamento único, diferente de tudo aquilo que se esperava da celebração de um enlace. Rosa não sabia se ficava empolgada ou temerosa.
É mesmo. O senhor não me conhece. ? O homem começou a falar andando ao redor de Pedro. ? Mas mesmo assim destruiu a minha vida. Perdi um bom dinheiro por sua causa, assim como fiquei sem o meu melhor funcionário. Ah, e claro, perdi uma escrava muito especial. Fiquei sabendo que ela está com o senhor. Rosa. O coração de Pedro voltou a disparar. Aquele era Alfredo, se o barão não estivesse com a mente prejudicada demais para pensar. Firmino era questão resolvida por Hades, então ele não voltaria de forma alguma. ? Não deveria estar preso? O homem riu. ? Eu estava. Acredita que tiveram a audácia de me prender? Alfredo parou novamente diante do barão e apontou para os dois capangas que ele tinha acabado de matar. ? Como pode ver, não estou com o melhor dos humores hoje. Então, o que acha de não perdermos muito tempo? Não estou disposto a matar mais alguém hoje, prefiro negociar. ? Não tenho nada a negociar com você. ? Pedro respondeu com firmeza.
Para um médico que acompanhou os momentos finais de muitas pessoas, Pedro estava certo de que a morte era um momento de paz. Após a agonia até o último suspiro, a dor da separação de alma e matéria, a alma deveria encontrar paz até seu julgamento. Porém, ele ainda estava em agonia. Os segundos até a lâmina acertar sua carne pareciam durar horas a ponto de conseguir ver sua vida inteira diante de seus olhos. De olhos fechados, ele aguardou o golpe, mas tudo o que escutou foi o som de algo caindo no chão, alguém engasgando.
O som inesperado fez com que o barão abrisse os olhos para compreender o que estava acontecendo e se deparou com uma cena perturbadora, apesar de ser sua salvação: Alfredo morria diante de seus olhos, em uma poça de sangue, sob os pés de um homem alto, esguio, com ombros largos. Seu rosto estava parcialmente na sombra, mas Pedro o conhecia muito bem. ? Hades. Um sorriso frio surgiu nos lábios do homem. Os olhos cinza chumbo brilhavam como um raio cortando o céu tempestuoso. ? Ao menos cheguei a tempo de enviar o desgraçado para o inferno. Hades se abaixou e removeu do pescoço de Alfredo uma adaga de prata. A arma, feita com lâmina de dois gumes ondulada com aproximadamente quinze centímetros, brilhava com o sangue fresco. Pegando um lenço preto, ele limpou meticulosamente a adaga antes de usá-la para cortar as cordas que prendiam Pedro. A fibra se rompeu com facilidade, evidenciando o quanto a arma estava afiada. Depois, ele a guardou em uma bainha também de prata, onde incontáveis rubis minúsculos brilhavam.
Hades o olhava com atenção. ? Ele tinha amigos com influência, algo que não esperávamos. Suponho que nem seria condenado caso passasse por um julgamento. A comentário foi o suficiente para deixar o barão abismado. ? Tão influentes assim? ? Clientes que adquiriam parte da carga contrabandeada. As pessoas querem vantagens e acabam se envolvendo
em esquemas ruins. Se Alfredo caísse, levaria muitos grandes nomes com ele.
leve até uma propriedade próxima onde estou hospedado. Estou atrasado para o meu casamento. Pela primeira vez desde que havia conhecido o sombrio Hades, Pedro reparou uma emoção no rosto do homem: confusão. Pura e genuína. ? Vai se casar? Mesmo com a cabeça suja de sangue, a roupa imunda de terra, rasgada e o rosto se contorcendo de dor, Pedro sorriu. ? Ninguém esperava por isso, não é? Nem eu. Portanto, mesmo que eu esteja à beira da morte, me leve para lá antes que eu perca a noiva. Hades precisou praticamente carregar Pedro até o lado de fora. Depois, soltou os animais que estavam atrelados a carruagem velha antes de ajudar o barão a subir no garanhão negro que sempre usava em suas viagens. Olhando ao redor, como se desejasse ter certeza de que estavam sozinhos, Hades também montou no animal. ? Agradeceria se esse momento ficasse em segredo. Meu serviço era matar Alfredo e não salvar o dia. Pedro sorriu. ? Ninguém saberá que não é tão frio quanto parece.
Hades bufou. ? Para que lado é o casamento? Assim que Pedro indicou o caminho, o garanhão se pôs em movimento. O cavalo era magnífico, de uma força ímpar. Demoraram um pouco para chegar por ser melhor para Pedro e não pelo animal apresentar sinais de cansaço. Hades o levou até o portão da propriedade de Miro, mas recusou a oferta de participar do casamento. ? Tenho mais almas para recolher, barão. Tente não morrer tão cedo. Pedro sorriu. Estar mais perto do local onde encontraria Rosa era o suficiente para fazê-lo se sentir muito melhor. Ele acenou para Hades, mas o homem já fazia o cavalo disparar pela estrada. Felicidade e alívio eram bons remédios, mas não faziam milagres. Pedro percebeu que até chegar na casa de Miro o trajeto seria longo. Cada passo, um gesto de teimosia. Porém, a vida era assim em seus piores momentos, aqueles em que é necessário dar um passo de cada vez, sentindo o peso do mundo nos ombros. Naquele momento Pedro sentia dores, mas estava cada vez mais certo de que conseguiria se recuperar plenamente. Sua situação não parecia tão ruim pelo que sentia, apesar de admitir que precisava examinar melhor o estado da sua cabeça. Como se estivessem vindo em seu socorro, ele notou Miro e Ezequiel cavalgando para deixar a propriedade. ? Pai! ? Ezequiel desmontou e correu até o barão. ? Onde vocês pensam que vão? Está na hora do meu casamento! ? O barão ralhou de um jeito teatral. Miro praguejou horrores e se aproximou deles. ? O que aconteceu? Pedro suspirou. ? Um imprevisto bastante ingrato, mas estou bem e tudo foi resolvido. Como as mulheres também ficarão curiosas, pretendo contar a história uma única vez, com todos reunidos. Agora, vamos, preciso ficar apresentável para minha noiva. Ezequiel bufou. ? Ah, mas o senhor não vai se casar hoje. Está ferido! O barão encarou o filho com uma teimosia que raras vezes mostrava. ? Se tem algo que farei hoje é me casar. Portanto, vamos logo com isso!
Rosa estava sem chão. As tentativas de Ana e Claudia para distraí-la perderam o sentido, pois as duas mulheres também estavam muito preocupadas. Onde Pedro estava? O que tinha acontecido? ? Devemos acreditar que está tudo bem. ? Ana sussurrou. ? O barão é um homem forte e inteligente.
e nenhum corte é sério o bastante para causar preocupação. Tudo o que preciso é de um bom banho e de um belo casamento. Rosa estava chocada. ? Como pode pensar no casamento depois de tudo isso? A prioridade agora é cuidar do senhor. Pedro segurou a mão de Rosa e beijou os dedos trêmulos. ? Minha cara, não vamos adiar o casamento por um contratempo desses. Mais tarde contarei o que aconteceu. Rosa hesitou. Não conseguia acreditar que o barão estava mais preocupado com o casamento do que consigo mesmo. ? Por favor. ? Ele sussurrou, insistindo. Então ela percebeu que não era imune ao olhar do noivo quando ele queria algo. Com um suspiro, ela assentiu, concordando. ? Excelente! ? Pedro sorriu, apesar da forma desagradável com que sua cabeça ainda pulsava. ? Então vamos. Não podemos perder o fim da tarde. Ezequiel apoiou o pai pela direita e Rosa tentou apoiar o noivo pela esquerda, por mais que ele protestasse.
O mundo estava dourado pelos raios do sol poente. Ana, Miro e Claudia se encontravam no coreto fazendo companhia para Pedro, o noivo. Passado o susto inicial das mulheres ao verem o estado do barão, todos aguardavam a noiva. Miro e Ezequiel tinham feito um bom trabalho em deixar o noivo o mais apresentável possível. Mesmo que tivesse hematomas pelo corpo, Pedro não tinha marca alguma no rosto e os cabelos escondiam o machucado. Por sorte, era uma ferida superficial que não necessitava de pontos. O coreto estava enfeitado com flores e ramos, além de lamparinas que foram acrescentadas de última hora ao temerem que o enlace atrasasse demais. Os olhares se voltaram para a casa quando surgiram Esmeralda e Pedrinho jogando pétalas de flores pelo chão. Ela, de uma cestinha. Ele, de um chapéu. Pouco depois vieram Micaela e Vladimir com mais pétalas. Quando os pequenos estavam quase chegando ao coreto, Ezequiel saiu da casa de braços dados com Rosa.
Quando um homem deseja se casar com uma mulher, ele não deve apenas dizer palavras bonitas. Quando uma mulher deseja se casar com um homem, ela não deve buscar apenas as vantagens. Um deve merecer o outro. Que um tome a felicidade do outro como sua tarefa, descobrindo que quando ambos estiverem felizes o casamento está bem.
Os dias de felicidade se tornaram semanas, que se transformaram em anos inesquecíveis. Pedro continuou a se dedicar à medicina, levando Rosa consigo. Um amor não servia para excluir o outro. Eles se completavam. O pequeno hospital ajudou muitas pessoas e logo Pedro trabalhava com mais um médico e depois mais outro... Vieram as enfermeiras e, como o aumento no número de pacientes, o hospital foi crescendo e atendendo a todos aqueles que precisavam. Nomeado como Hospital São Lucas Evangelista, o lugar passou também a promover serviços para a população, como curso de costura para as meninas pobres e acolhimento de crianças sem família.
O próprio imperador ficou hospedado por algum tempo na fazenda quando veio conhecer o hospital e parabenizou Pedro por seu trabalho, tornando-o cavaleiro da Imperial Ordem de Cristo e oficial da Imperial Ordem da Rosa. Amor, felicidade e prosperidade foram a tríade da vida de Pedro por muitos anos. Ele viu Pedrinho e Micaela crescerem. Rosa o presenteou com dois filhos e Claudia e Ezequiel ainda lhe deram mais um neto. Na época certa Pedrinho partiu para a capital para estudar medicina e o tio, Mariano, o seguiu poucos anos depois. Pedro ficou muito feliz por ver seu filho e seu neto seguindo seus passos. Ambos prometendo continuar com o hospital. Mais de duas décadas depois do seu segundo casamento, no dia em que o barão de São João del-Rei deixou este mundo, o céu não estava cinzento e a chuva não deixava a paisagem triste. Era uma noite limpa, cheia de estrelas brilhantes e a lua prateando a paisagem. A perda foi sentida em todos os recantos do império e o vilarejo de São João del-Rei viveu o luto profundamente. Rosa havia perdido parte de seu coração, mas não caiu em desespero.
Pedro e Rosa se amaram muito e eram esses momentos maravilhosos que lhe fariam companhia de agora em diante, até o fim de seus dias. Ela não sabia se voltaria a encontrá-lo, pois agora seu amado barão deveria estar ainda mais feliz, junto de sua amada primeira esposa. Rosa sabia que aquela mulher estaria esperando por ele e, sinceramente, ela desejava que se encontrassem, pois ele também a amou muito. Estranhamente, a segunda baronesa poderia jurar que sentiu a presença da primeira, quando estava ao lado do marido em seus últimos suspiros. O coração do barão foi grande a ponto de suportar dois grandes amores. O hospital continuou, cresceu e nunca fechou as portas para quem precisava. Rosa continuou seu trabalho
com as crianças abandonadas enquanto teve forças. O legado do barão era incomensurável. As vidas que salvou deram frutos, continuaram a linhagem. Sua família se manteve unida pelo amor que ele ofereceu a todos que estavam ao seu redor. Muitos profissionais de saúde eram seus admiradores seja por sua habilidade ou sua humanidade para com os pacientes. Boa parte deles seguiram seus passos, buscando sempre a melhor versão de si mesmos. Mais valoroso do que títulos e propriedades, o amor é algo que o tempo não apaga e o sentimento que produz os melhores e mais belos frutos.
Fim