MatheusPetris 10/11/2023
Há, em Cosme Fernandes, o chamado Bacharel, narrador-testemunha de Terra Papagalli, elementos irônicos que se dão a ver. Enquanto Cosme narra os feitos, principalmente os ensinamentos aprendidos no Paraíso (O brasil antes de ser Brasil), muitos deles ditos populares, ele aponta para certas características nossas (brasileiras) como se fossem de exclusividade tupiniquim. A ironia reside também nessa viela, pois são características facilmente generalizantes a todos nós (seres-humanos).
Embora o principal catalisador irônico esteja na própria fala, a ironia submerge a nós, leitores-receptores, menos no texto — num provável refinamento de um escritor que se sabe irônico — e mais na recepção dele. Exemplifico. No capítulo intitulado “Em que o Paraíso deixa de sê-lo”, o Bacharel se entristece por ter perdido suas terras com a chegada da tropa colonizadora, o capítulo gira em torno disso e da mudança de nome das terras de “Paraíso” para “São Vicente”. Porém, a tristeza não nasce da mudança de nome, da perda das terras, mas de como a ideia de “Paraíso” criada por ele, agora poligâmico, vivendo da escravização de prisioneiros de guerra, comendo tudo do bom e do melhor (se me permitem o duplo sentido), vivendo não como degredado, ex-prisioneiro, mas como um “rei”.
Meta ficção historiográfica de muito bom humor, Terra Papagalli também diverte, flerta com os absurdos do ultraromantismo, digno das novelas do século XX e XXI. O romance também se experimenta em gêneros. Teoricamente uma carta do protagonista a outro personagem, mistura-se com diário pessoal, bestiário, diário de viagem. Assim, pode-se notar um deboche variado, com a própria História, com os gêneros (literários e textuais), com os colonizadores, com os mandamentos (isto é, com a religião).
O narrador-personagem se leva a sério e, evidentemente, nós, leitores modernos, não. A ironia, então, toma forma. Os bárbaros selvagens são os índios? É uma pergunta que sabemos a resposta. Porém, nas palavras do próprio Cosme, como “a razão não é bem-vinda na casa do hábito”, deixemos isso de lado; sem respostas. Você, leitor, responderá por si.