Carolina.Gomes 23/06/2022
Ciranda da vida
Ciranda de Pedra é o primeiro romance de Lygia Fagundes Telles também considerado o marco da sua maturidade intelectual. Essa foi a minha porta de entrada para conhecer sua escrita e, confesso, fui, de pronto, arrebatada por ela. Lygia surpreende, encanta, envolve e, sem prometer nada, entrega tudo? Impossível não se sentir hipnotizada pela magnitude de sua narrativa. Sua paixão pelas palavras e sua notória intimidade com elas, nos aproximam das personagens de tal forma, que é fácil se transportar para o cenário ali descrito.
Sobre o que a teria inspirado a escrever o romance, a autora conta que a ideia surgiu, quando, durante uma caminhada, ?passava em frente a um casarão abandonado em processo de demolição, e, ao passear pelos cômodos vazios, encantou-se com uma fonte onde se via uns anões de pedra em círculo, e imaginou o quanto de histórias não se escondiam por ali naqueles jardins abandonados, alegrias, tristezas que envolveram os antigos habitantes da casa?.
Dessa inspiração surgiu o romance, dividido em duas partes, narrado sob a perspectiva de Virgínia. Caçula de três irmãs, ela é a única que fica morando com a mãe e o padrasto, Daniel, enquanto Bruna e Otávia moram com o pai, Natércio. Nessa primeira parte, acompanhamos a angústia da personagem, seu sentimento de rejeição em relação ao pai e às irmãs e seu desejo de ver os pais unidos novamente, ao tempo em que idealiza uma vida perfeita, na mansão. A aflição, ansiedade e a angústia, vividas pela personagem, passam a ser experimentadas, também, pelo leitor.
Na segunda metade da obra, acompanhamos Virgínia, agora adulta, retornando do internato à casa da família, e, descobrindo, a partir do convívio próximo com os integrantes da ?ciranda?, a verdade sobre a personalidade de cada um deles. A partir de suas próprias percepções e autoconhecimento, ela rompe o casulo e se percebe pronta para alçar seu próprio voo, longe dali, compreendendo, finalmente, que mais importante que pertencer a um determinado grupo ou sociedade, é pertencer a si mesma.
Em Ciranda de Pedra, Lygia traz à tona temas polêmicos, tais como adultério, doença mental, suicídio, eutanásia, moral religiosa e homossexualismo feminino. Tudo está ali posto de modo a provocar a reflexão do leitor, revelando a coragem da autora e sua ousadia para desafiar os tabus da época. Não bastasse isso, todas as personagens femininas, em certa medida, e ao seu modo, são transgressoras dos padrões sociais.
Ao findar a leitura, o livro permaneceu ressoando na alma. E, uma vez aberta a porta de entrada para o universo fantástico de Lygia, me vi provocada a atiçar em você, que ora me lê, o desejo de atender ao apelo da autora: ?Me leia. Não me deixe morrer.?