Os elixires do diabo

Os elixires do diabo E. T. A. Hoffmann




Resenhas - Os elixires do diabo


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s4mi1y 12/08/2024

Medardo me enlouqueceu
Que Hoffman tava com imaginação de sobra, disso eu não tenho dúvida. É super instigante acompanhar as aventuras de Merdardo, que consegue se meter nas mais diversas loucuras. Mas o defeito começa aí, é tanta loucura que vai cansando. Eu tava esperando mais sobre a história dos elixires e ficou um pouco a desejar. O final é apressado e pouco imaginativo. Hoffman meio que desistiu. Mas é uma leitura interessante e diferente. Não vale replay. Mas não me arrependo.
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Val 09/12/2023

O divino Os Elixires do Diabo
Muito antes dos estudos de psicanálise do consagrado Freud, o renovador alemão E. T. A. Hoffmann (Ernst Theodor Amadeus) já se utilizava do inconsciente humano para desenvolver sua obra intrigante no período do romantismo alemão. E isso está patente em sua obra máxima Os Elixires do Diabo, publicada em 1816, onde esbanja esse uso de forma admirável, em favor de uma literatura revolucionária para os padrões daquela época e região.
Nesse contexto, inicia-se o livro, na Prússia Ocidental (hoje Polônia), com uma deslumbrante narração dos anos de infância e adolescência passados num convento, quando enceta o inebriante envolvimento de uma criança nos costumes religiosos com uma Igreja triunfante com a promessa de graças e bênçãos ao povo de fé.
E assim começa a narrativa fascinante da vida e peripécias do monge capuchinho Medardo. Aqui Hoffmann comete um primeiro sacrilégio ao abordar a descrença essencial das pessoas nas relíquias religiosas e como a Igreja atua com elas para tornar o indivíduo num crente. A seguir, faz o leitor refletir sobre as tentações da curiosidade, do prazer e do egocentrismo.
Ao sair um pouco do ambiente monacal, o protagonista dissolve-se numa miríade de fatos e personagens onde o inconsciente predomina atitudes e desarticula tudo que o leitor anseia ler em função das referências anteriores. E ao sair desse novo clima, já está ao sabor conveniente de seu subconsciente.
Sua viagem prossegue já incorporada por seu duo. Atos de paixão e violência intercalam-se com passagens de aventura e discursos sobre costumes. A dualidade explorada por Hoffmann extrapola seu protagonista, ampliando-a a príncipes e santas. A tradicionalíssima disputa entre o bem e o mal desabrocha como núcleo filosófico da obra, sempre atropelada pela fraqueza de caráter do monge em seus duos, como pela exploração do grotesco e do trágico em contraposição à religiosidade, à beleza feminina e ao encanto das paisagens.
Considerado um dos precursores da literatura fantástica, tem nas visões do protagonista, como parte importante da obra, a maior expressão do fantástico neste livro. Diálogos e altercações com mortos, com santos e com o próprio demônio, assim como a inclusão de penhascos e bosques escuros acentuam essa característica em seu texto.
Este clássico é uma obra brilhante, intrincada, pautada por diálogos contundentes, ótimas tramas de suporte ao enredo, muitas reviravoltas e um clima bastante agitado para as emoções e predileções do leitor. E uma soberba e emocionante apoteose.
Uma leitura que exige concentração e memória, pois por incrível que possa parecer, é uma linda e complexa história de amor. Ensina-nos, mesmo aos descrentes, que o mundo espiritual sempre se sobrepõe à banalidade terrena em permanente evolução.
Valdemir Martins
30.11.2023


site: https://contracapaladob.blogspot.com/
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 04/03/2023

Hoffmann - Os elixires do Diabo
Editora Estação Liberdade - 368 Páginas - Tradução de Maria Aparecida Barbosa - Ilustração de capa: Natanael Longo de Oliveira - Lançamento: 2022.

Hoffmann (1776-1822) é considerado um precursor da literatura fantástica, tendo infuenciado outros importantes escritores ao longo do tempo, tais como como Edgar Allan Poe (1809-1849), Fiódor Dostoiévski (1821-1881) e Franz Kafka (1883-1924), para citar somente os principais. Hoffmann é dono de um estilo que vai muito além das limitações do romantismo alemão de sua época, revelando o que há de mais trágico e grotesco na natureza humana. A utilização do inconsciente como matéria-prima literária, antes da psicanálise de Freud (1856-1939), uma constante fragmentação da identidade do protagonista que leva ao tema do duplo, assim como um clima gótico, fantástico e detetivesco, são características do autor presentes nesta obra que a tornaram um clássico da literatura.

O romance é narrado em primeira pessoa pelo monge Medardo, que não resiste à tentação de experimentar o elixir do Diabo, uma relíquia do mosteiro. A partir de então, a sua personalidade muda e tem início um constante embate entre a vida espiritual e mundana. Medardo torna-se então um orador popular no mosteiro e na região, mas agindo por interesse próprio e vaidade; o prior Leonardus, percebendo a transformação, ordena que ele deixe o mosteiro e siga para uma importante missão em Roma. Ao longo dessa jornada, o monge irá cometer uma série de crimes, abandonando o hábito, sempre influenciado por seu duplo: "[...] a porta se abriu e uma figura obscura entrou. Reconheci para meu horror que era eu mesmo, vestido com o hábito de capuchinho, de barba e tonsura. A figura foi se aproximando mais e mais da minha cama, fiqui paralisado e cada som que tentava expressar se engasgava na rigidez que me acometera. Agora a figura se sentava na minha cama e sorria para mim com sarcasmo."

"Nesta caixinha encontra-se portanto um dos frascos com um elixir do Diabo e os documentos são tão autênticos e exatos, que não deixam dúvida de que a garrafinha foi realmente encontrada entre os pertences legados por Santo Antônio após sua morte. Inclusive posso lhe assegurar, caro irmão Medardo, que sempre quando toco o frasco, ou somente a caixinha onde ele está guardado, tenho experimentado um estremecimento secreto e inexplicável; sério, chego a imaginar estar inalando a essência de um perfume singular que me aturde e ao mesmo tempo excita meu espírito a ponto de me distrair da devoção. Nessas ocasiões, supero esse estado de ânimo ruim, que evidentemente procede de algum poder sobrenatural hostil, chego a pensar na influência de satanás, com orações persistentes. / A você, irmão Medardo, que ainda é jovem, que ainda pode contemplar em cores vibrantes e brilhantes tudo quanto a imaginação excitada por obra de forças ardilosas lhe sugere, que se assemelha a um guerreiro valente mas inexperiente – sim, forte, porém atrevido demais – ousando o impossível com autoconfiança, eu aconselho a jamais abrir a caixinha ou pelo menos esperar alguns anos para fazê-lo. A fim de não se deixar tentar pela curiosidade, mantenha-a fora do alcance da vista." (pp. 47-8)

A trama é bastante complexa, envolvendo vários personagens e reviravoltas, mas um elemento que conduz toda a história é o amor de Medardo por uma jovem princesa, Aurélia, considerada uma santa e salvadora, mas também origem de seus piores crimes, inclusive assassinatos. A ambiguidade dos personagens é bem destacada na introdução de Sabrina Sedlmayer: "O Diabo surge então como um outro que desorienta sua vida espiritual, obsidia sua mente insinuando horror e desaventurança ao iniciá-lo em mistérios. O demônio dá o pontapé às metamorfoses, é o dispositivo que lança o capuchinho ao mundo, que o faz errar na luta incessante entre confiança e conflito, lucidez e loucura, ascensão e decesso, alegria e tristeza, amor e morte."

"Tive enfim a ideia de orarmos juntos, pois em oração o fogo do fervor se faz mais ardente, desperta e faz emergir instintos recônditos, e esses se estendem como se sobre vagas bramantes, semelhantes a tentáculos de pólipos, a fim de silenciar o inominável anelo que cinde a alma. Ao terreno, fingindo-se celestial, se torna possível afrontar o ânimo exaltado com a promessa de se cumprir cá na Terra infinitamente o que o exalta; êxtases sagrados e divinos se misturam à aspiração que se lança rumo aos céus, para além das esferas, e a rompem, desvelando encantos jamais imaginados de desejo terreno. / Ela devia repetir depois de mim as preces que eu próprio compusera. Assim acreditei lograr vantagens a favor de minhas pérfidas intenções. E, assim foi, com efeito! / Pois ajoelhada ao meu lado, com os olhos voltados ao céu, respondendo às minhas rezas, se enrubesciam suas faces e seu seio arfava. Nesse instante, levado pelo fervor da oração, tomei suas mãos e as pressionei contra meu coração. Estava tão próximo dela que podia sentir o calor que emanava seu corpo, seus cabelos soltos roçavam meus ombros. Fiquei fora de mim, possuído por um desejo carnal frenético, e a abracei com paixão selvagem, beijei-lhe a boca, o peito. [...]" (pp. 96-7)

É sempre importante lermos e relermos os clássicos, principalmente nesta bem-cuidada edição, contando com notas explicativas que ajudam a entender o contexto histórico, assim como prefácio à edição brasileira da tradutora Maria Aparecida Barbosa, professora do Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras da Universidade Federal de Santa Catarina, mestrado e doutorado pela mesma instituição; e introdução de Sabrina Sedlmayer, pesquisadora e professora na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

"Implacável foi a penitência que o prior me infligiu. Expulso da igreja e banido como leproso das reuniões comunitárias, jazia na cripta dos mortos, sustentava minha sobrevivência a custa de ervas insípidas fervidas em água, açoitando-me, penitenciando-me com instrumentos de martírio inventados por uma crueldade cheia de requintes e não elevando a voz, senão para acusar a mim mesmo, para suplicar em oração de arrependimento a salvação do fogo do Inferno, cujas chamas ardentes eu já sentia a consumir meu coração. Mas quando o sangue escorria das cem feridas, quando a dor me devorava queimando feito cem picadas de escorpiões peçonhentos e, enfim, a natureza sucumbia até o sono envolvê-la com seus braços, protegendo-a como criança impotente, então ressurgiam as perniciosas imagens do pesadelo e elas me levavam a recomeçar os tormentos mortais." (pp. 283-4)

Sobre o autor: Ernst Theodor Wilhelm Hoffmann nasceu em Königsberg, na Prússia Oriental, em 1776. Desenvolveu carreira como jurista, atuando em tribunais de apelação em Berlim e em Varsóvia. Mas desde cedo já demonstrava inclinação para as artes, como pintura, teatro e, sobretudo, música clássica (era admirador de Mozart, de quem adotou o nome Amadeus em substituição a Wilhelm), passando a dedicar-se a tais paixões de modo integral a partir de 1808. Foi homenageado por Jacques Offenbach com a ópera Os contos de Hoffmann, baseado em três histórias do autor. De saúde permanentemente frágil, agravada pelo abuso de álcool, ele seguiu produzindo até o fim da vida, inclusive ditando a um escriba quando sua condição motora já estava comprometida por uma paralisia progressiva que se mostraria fatal. Faleceu de forma precoce em 25 de junho de 1822, aos quarenta e seis anos de idade. Pela Editora Estação Liberdade, tem publicados o romance Reflexões do gato Murr (2013) e a coletânea O reflexo perdido e outros contos insensatos (2017).
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