HigorM 18/08/2024
"LENDO NOBEL": sobre uma leitura que diz muito, o que me desagrada
Eu me questiono, a cada leitura de um laureado com o Prêmio Nobel, em momento o autor deixa de ter uma escrita original, como sempre é mencionado pela Academia, para trazer ao leitor apenas mais do mesmo. Digo isso, pois me proponho a ler todos os livros dos autores premiados, afinal, a láurea se dá pelo conjunto da obra, e não por um livro em específico.
Autores como Kazuo Ishiguro, Mario Vargas Llosa e J. M. Coetzee (dentre os que já li, deixo claro), mantém-se fiéis ao estilo pessoal de escrita, à medida que conseguem inovar ou trazer um frescor a cada novo livro ou assunto; enquanto isso, outros, como Patrick Modiano, Herta Müller, e até mesmo Annie Ernaux, preferem escrever sobre seu universo particular de uma maneira tão rotineira e insistente, que mais parece um estilo preguiçoso ou que não há mais assunto ou até mesmo prisma a explorar, mas que o autor retorna ao tema mesmo assim, por não saber ou poder escrever sobre outras coisas.
Sendo assim, o progresso da leitura da biografia de Jon Fosse parece fadada ao cansaço, pois enquanto "Brancura" foi uma curiosa surpresa e "É a Ales" uma sólida constatação, "Trilogia", que deveria ser, então, uma óbvia consolidação, tornou-se uma mera aparição, menor, mais fraca e, sinceramente, sem inspiração.
E eu sei exatamente o motivo de "Trilogia" não ter funcionado, ou ao menos não para mim. Em "É a Ales" eu mencionei, satisfeito, que o cenário principal, "este quadro fixo, esse cenário estático, com poucas descrições e sem muito a agregar com o passar das páginas e das repetições da narração, de repente se expande, ganha novas camadas, graças ao fluxo de consciência e a ausência de uma marcação de tempo, então, presente, passado e futuro se movimentam naquele único espaço, enriquecendo-o de maneira majestosa". Já em "Brancura", o mesmo cenário estático se faz presente, dando força para a magia onírica acontecer.
“Trilogia”, por sua vez, não possui tal cuidado, tal momento de apreciação e contemplação, de estática, o tão louvado e mencionado estado onírico tão pungente de Fosse, para que o fluxo de consciência e a falta de marcação de tempo entrem em ação. Asle e Alida estão em movimento constante, em diversos cenários e situações, com a presença de um sem número de personagens coadjuvantes, mas não para ajudar ou crescer a literatura de Fosse, e sim para atrapalhá-la, acredito eu, ou para perder sua essência.
São pouquíssimos os momentos que fazem os personagens, e o próprio leitor, contemplar presente e passado e futuro de Asle e Alida, como aconteceu nas leituras anteriores, quando Signe, mesmo deitada em um banco, conseguia ver e refletir sobre os antepassados seus e de Asle.
E mesmo que tais momentos de "Trilogia" não tenham surgido, o livro não se descaracteriza dos demais ou se autoclassifica como um filho diferente, ou quem sabe o início de uma nova fase do autor. Não. O escrito de escrita é tão característico de Jon Fosse, com suas fontes, intenções e referências, que o leitor que gosta dele, vai iniciar a leitura feliz, enquanto quem não gosta, certamente vai pular para o próximo. Embora os personagens estejam em ação neste livro, caminhando, interagindo ou conversando mais, a história não é ágil, propondo-se a manter a mesma reflexão que os demais livros do autor.
Acontece que a fórmula não funciona aqui. Os jovens Alida e Alida, aparentemente menores de idade, saem pelas ruas em busca de abrigo. Alida está gestante, prestes a ganhar, logo, as pessoas têm seus pensamentos perversos ao fato trágico que acomete os jovens. A referência bíblica aqui, uma alusão a José e Maria, pais de Jesus, não convence, mas mais parece com uma paródia moderna.
A grande sensação que fica é a de que as três novelas, "Vigília", "Sonhos de Olav" e "Refúgio", funcionam sozinhas, mas se perdem com a união. Talvez tenham funcionado quando das publicações, afinal, foram lançadas em um espaço de tempo considerável, em 2007, 2012 e 2014.
Uma obra menor, embora a mais celebrada e premiada de Jon Fosse, "Trilogia" não possui o encanto e o prazer, embora muitas das características dos demais livros do autor. Talvez seja o sinal de não insistir na prosa de Fosse, e aguardar seus dramas.
Este livro faz parte do projeto "Lendo Nobel".