Ale.Lima 01/11/2024
Resenha sobre "Êxtase" e meus dois centavos de reflexão
"Eu intensifico as famosas pequenas coisas então tudo passa a ser verdadeiramente significante" Katherine Mansfield
Esse é o tom dos contos de "Êxtase", de Katherine Mansfield. Uma coleção que explora as emoções e as relações humanas. Com uma escrita sensível, e por vezes até mesmo cômica. Mansfield mostra momentos simples do cotidiano que a partir de um olhar mais atento, revelam sentimentos profundos e momentos de descoberta.
Mas, além da resenha, quero tocar em outro ponto a partir daqui
Acabei de ler esse livro e, com as notas no final explicando a escolha de "Êxtase" para a tradução, acho que finalmente, sem planejar, desvendei um mistério pessoal (rs).
Nunca fui fã de romances (no sentido romântico mesmo), mas percebi que, sempre que leio romances gays, principalmente com personagens masculinos, eu gosto. E não existe um olhar enviesado da minha parte, já que sou uma mulher cis hétero. Algumas dessas obras se tornaram favoritas da minha vida e, enquanto me perguntava por que isso acontecia, percebi que casais heterossexuais quase nunca me transmitem uma profundidade real (com raras exceções).
O que quero dizer é que existe uma heteronormatividade imposta e, muitas vezes, casais héteros se formam mais por hábito, porque é o que ?deve? acontecer, algo esperado.
Em romances homossexuais, especialmente os que se passam em décadas passadas ou em outras épocas, "Existem tantos obstáculos envolvidos ? sociais, culturais, pessoais, de autoaceitação, dogmas religiosos, preconceitos ? e isso se torna ainda mais evidente em relações entre homens. Embora também aconteça entre mulheres, o relacionamento lésbico muitas vezes infelizmente é fetichizado, o que, de certa forma, o torna um pouco mais 'aceito' (entre muitas aspas). Em contraste, o relacionamento entre homens é frequentemente visto como indigno, sujo ou inferior. Por isso, quando duas pessoas apesar de todas essas barreiras simplesmente não conseguem deixar de ficar juntas, é porque realmente existe algo forte entre elas. Algo tão poderoso que muitas histórias de amor heterossexuais não conseguem me transmitir.
É por isso, entre outras coisas, que a literatura é tão maravilhosa. Eu nem estava esperando encontrar algo sobre isso ao ler esse livro, mas, ao ver a nota da tradutora sobre a escolha de "Êxtase", fui pesquisar mais sobre essa tradução e encontrei Tatiany Leite falando sobre o trabalho da tradutora Nara Vidal, que esmiúça essa escolha. Foi como uma confirmação de que minha percepção faz sentido e não é apenas coisa da minha cabeça.
Nesse trabalho, Nara explica por que usou "êxtase" para traduzir bliss, uma palavra que não tem tradução equivalente em português. Ela cita outro autor da seguinte forma:
"Uma citação interessante de Christopher Isherwood estabelece a diferença entre bliss (êxtase) e plain happiness (felicidade). O narrador passa a ter a sensação de que o termo 'felicidade' está mais relacionado a relações heterossexuais, enquanto 'êxtase', que é mais violento e 'sensacional', não é apenas uma sensação de felicidade; é aquilo que uma pessoa busca em relações homossexuais (algo que não é propriamente deste mundo?)."
E é isso, minha gente!