marshmelle 27/10/2023
Por mais q tenhamos livros, smp haverá buracos numa estante
?Por mais que tenhamos livros, sempre haverá buracos numa estante". Para mim, uma das únicas e boas reflexões de Contardo na obra: de que a vida sempre apresentará mistérios inexplicáveis e que isso faz parte da própria vida. A de que, devido à finitude da nossa existência, não somos capazes de compreender e achar um sentido para tudo. A de que sempre haverá perguntas para quais não haverá respostas, lacunas metafísicas que nunca poderão ser preenchidas. A de que, talvez, justamente por isso, devemos projetar menos o sentido do nosso presente à eternidade que nos é jurada após a morte.
Desde que nascemos, somos condenados a uma sentença de morte - seja que demore, seja que não, ela sempre virá em algum momento. Heráclito, um dos grandes filósofos da Antiguidade Clássica, teria dito que algo só ganha significado no seu oposto. E não poderia ser mais verdadeiro? Sabemos e apreciamos o florescer de uma flor, porque entendemos que existe o murchar desta. A vida tem como característica antagônica, e, ao mesmo tempo indissociável, a própria morte: então por que apenas a segunda é vinculada ao ruim, se ela compõe o ciclo de existência ao lado da vida? Será porque o homem é um ser tão social (político), de modo que as relações sociais que ele estabelece com os outros são o que acabam dando significado a sua vida e, por isso, ele não quer perdê-las? Será porque não temos o menor controle e não sabemos o que há de fato na transcendência pós morte, e por isso a tememos? Será porque sentimos medo do julgamento que Deus dará às nossas ações pecaminosas na Terra e do destino que Ele nos sentenciará? Será porque o caráter efêmero da vida é uma coisa que encaramos sozinhos? Como diria Contardo, ?a morte passa a ser uma experiência solitária e sem dúvida alguma, aterradora e desesperadora. [?] O indivíduo moderno - e moderno vale para os últimos duzentos anos - tem uma relação conturbada e atormentada com a transcendência?. Essa questão é um buraco na estante, impossível, por ora, de ser preenchido?
Outro ponto interessante abordado pelo autor é que nós devemos viver uma vida interessante, o que, para ele, significa se permitir experienciar todos os sentimentos humanos, sejam eles de felicidade, tristeza, angústia. E isso eu concordo fortemente: é importante que sintamos as mais diversas experiências para nos desenvolvermos como pessoa e amadurecermos. Um exemplo bem legal que Contardo dá é o processo de luto depois do falecimento de uma pessoa querida, como um pai. ?A morte do seu pai vai acontecer só uma vez e é uma experiência crucial na sua vida. É crucial no viver humano perder a geração que nos precedeu, então você vai ficar triste, vai chorar... o luto pode durar de seis meses a um ano, sim, e isso não tem nada de patológico. Faz parte da vida. Como você não quer viver uma coisa tão importante e significativa? Você tem uma vida só e nela você só tem uma morte de seu pai. [?] Todas as experiências são ?interessantes?, [?] uma vida em que você se autoriza a viver intensamente. Autoriza-se a viver com toda a intensidade que todos os momentos da nossa vida merecem?. Sei que pode parecer muito óbvio, mas, especificamente hoje em dia, não se tem pensado muito assim. Vivemos em uma era de positividade tóxica, em que se cultua a necessidade de estar bem e mostrar-se feliz a todo momento, sobretudo nas redes sociais, em que a vida de todos é perfeita, como se para afirmar-se em sociedade. Haja vista disso, torna-se mais importante do que nunca relembrar que a qualidade de uma experiência não é medida nem definida por quanto que se sorriu nela.
No entanto, houve vários pontos negativos que infelizmente acabaram pesando para o desfrutamento da obra como um todo. Primeiro, não gostei da formatação do texto do livro - poucos parágrafos por página, sobrando um monte de espaço em branco e imagens que ocupavam uma página inteira - e da linguagem muito confusa do autor. Pareceu que a desenvoltura nas palavras e as partes tão coesas do livro ?Cartas a um jovem terapeuta? pertenciam a um escritor diferente que o de ?O sentido da vida?. Segundo, Contardo divagava muito em observações sobre arte, história clássica e estética grega que não tinham a necessidade de serem exaustivamente trabalhadas e citadas, a tal ponto que, por vezes, eu perdia o fio da meada e achava que o autor já tinha mudado de assunto, só para depois ele voltar atrás e retomar tudo de novo. Tampouco senti pertinentes e agregados à ideia central os vários fatos aleatórios que o autor contava da sua vida pessoal. Essas inúmeras digressões desnecessárias e absurdamente longas acabaram deixando, para mim, a leitura bem maçante e pouco fluida. Terceiro, senti que foram destinadas mais páginas a assuntos secundários do que ao desenvolvimento concreto das ideias centrais em si, tornando o livro um pouco ?perdido?. Ficou parecendo mais um livro de temas secundários com algumas reflexões fortes exploradas, do que um livro de reflexões fortes com alguns temas secundários explorados.
Sem dúvida, apesar de ser atribuída a um dos maiores psicólogos do Brasil, ?O sentido da vida? não chega nem aos pés de ?Cartas a um jovem terapeuta?. E isso decepcionou.