Resenhas - De uma a outra ilha

Giovana 23/10/2024

De Uma A Outra Ilha
O livreto é um único grande poema, o que só fui perceber na metade dele. Ela fala sobre a Ilha de Lesbos a partir de diferentes temporalidades. Num período a ilha é o lar da poeta Safo e em outro - no nosso tempo - faz parte do trânsito de imigrantes via mar.

Não me apeguei nem senti muito impacto com ele, apesar de ser inegável seu estudo e como ela traz embates políticos pros seus versos.

analsd 06/09/2024

54/2024
Ana Martins Marques é, para mim, além de uma das maiores poetas vivas, minha maior referência quanto o assunto é poema.

Nenhum livro dela é só mais um livro. Ou melhor, nenhum exercício poético dela é banal. Escrever sobre a Ilha de Lesbos, Safo e filologia (traduções-ilhas me pegou) enquanto denuncia a crise humanitária que é um bote cheio de refugiados [arrastando para outra a mesma vida] não é pra qualquer um.

MachadiAninha 05/03/2024

Ana Martins Marques mostra que, além de boa poeta, ela também possui um entendimento e feeling muito bom para intertextualidade. As conexões com a temática dos refugiados, em comparação à repulsa do sentimento de Eros, tudo isso dentro do espaço de Lesbos e sob luz de Safo (que em algum momento da vida também foi refugiada, e tudo isso em época pré-pré medieval) nos faz refletir acerca dessa "humanidade" que dizemos carregar com nós mesmos, e do quanto realmente "aprendemos" com o passar da história. São poemas inteligentes; alguns com ótimas sacadas. Num geral, um livro operante naquilo que se propõe.

Mariana.Artigas 15/01/2024

Resenha De uma a outra ilha - Ana Martins Marques
A plaquete De uma a outra ilha (2023), foi publicada pelo Círculo de Poemas, em julho de 2023, um clube de assinaturas que teve origem na parceria entre as editoras Fósforo e Luna Parque. A coleção de poesias conta com obras de autores nacionais e internacionais. De uma a outra a ilha integra uma série de plaquetes do Círculo de poemas, na qual os escritores foram convidados a escolher um local existente ou imaginário e escrever a partir dele.

As plaquetes são livros de poucas páginas e que muitas vezes possuem uma aparência quase artesanal.

Marques se inspirou na Ilha de Lesbos (local onde Safo viveu século VII a.C.) a fim de escrever o longo poema De uma a outra ilha, o qual também pode ser interpretado como um conjunto de poemas. Além disso, a autora versa sobre os fragmentos da poesia de Safo. Registros da obra da poeta foram encontrados em papiros e citações em tratados antigos, porém sabe-se que a mesma está incompleta, tendo restado apenas um único poema na íntegra. O poema em questão, é intitulado “Hino a Afrodite”.

A palavra ‘lésbica’ faz referência aos habitantes da Ilha de Lesbos, uma vez que o vocábulo vem do latim, lesbius.

Seus poemas nos chegaram
em pedaços
quebrados como vasos de cerâmica
ou conchas espatifadas na praia
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀palavras como ilhas
cercadas de silêncio
por todos os lados (p. 8).

A poética de Ana Martins Marques é arrebatadora, há uma tessitura delicada que amarra uma tessitura delicada ao amargor da realidade
da política migratória na União Europeia. A autora constrói imagens
muito bem delineadas acerca de grupos de refugiados que arriscam
suas vidas em uma travessia absurdamente perigosa.

Amir conseguiu deixar Moria
encontrou um trabalho como ajudante
e depois como costureiro
alugou uma casa na capital de Lesbos, Mitilene,
onde optou por ficar
depois de ter seu pedido de asilo aceito […] (p. 19).

Moria é o maior campo de refugiados da Grécia, as condições sanitárias no local são péssimas. O campo foi inaugurado em 2015, a princípio com a ideia de que ele pudesse ser um abrigo provisório para os refugiados em trânsito. A falta de organização e a superlotação causam situações de violência extrema cotidianamente.

De uma a outra ilha (2023), é alimentado com fragmentos dos poemas de Safo, formando assim um verdadeiro mapa textual, que interliga passado, presente e ainda traz vislumbres de um futuro próximo. Marques é autora dos livros como A vida submarina (2009), Da arte das armadilhas (2011), que foi contemplado com o Prêmio da Fundação Biblioteca Nacional, O livro das semelhanças (2015) e Risque esta palavra (2021), finalista do Prêmio Jabuti na categoria poesia em 2022.

O mar não escolhe entre a nau
e o naufrágio

como para a primavera é indiferente
o mel e a abelha (p. 12).

Referências:

GLETTE, Gabriela. ‘Lésbica’: conheça a poética e mitológica origem da palavra. Hypeness, 2019. Disponível em: https://www.hypeness.com.br/2019/01/conheca-a-poetica-e-mitologica-origem-do-termo-lesbica/. Acesso em: 15 jan. 2024.

MARQUES, Ana Martins. De uma a outra ilha. 1 ed. São Paulo, Círculo de poemas, 2023.

site: https://medium.com/@artigasmariana/resenha-de-uma-a-outra-ilha-ana-martins-marques-06d9154be5ae

Mathias Vinícius 14/11/2023

Um comentário sobre: De uma a outra ilha
A autora, a partir de fragmentos de alguns poemas de Safo, inicia a tecitura dos versos, explorando a ideia de transitoriedade e mobilidade forçada. Trata-se de uma jornada sem retorno à terra natal, um desterro que o, muito das vezes o único item a ser levado são memórias não tão boas. Essas lembranças são comparadas às árvores petrificadas que podem ser encontradas na ilha de Lesbos, onde a própria Safo viveu no século VII a.C.

A intertextualidade com as tragédias e sofrimento envolvendo refugiados e imigrantes, que são sempre noticiadas, fazem uma espécie de conexão com os fragmentos do passado. Para quem está familiarizado com modo de escrita autora Anne Carson, vai perceber que, além de se tratara de ser uma obra lírica, ela é salpicada de por outros gêneros literários que se encaixam muito bem com todo o texto.

Este livro é uma aula, e acredito que seja um prato cheio de deleites para os amantes de poesia.

"Existem muitos modos de guardar
escrever embalsamar gravar
mas também: esquecer abandonar
estilhaçar

*

Uma coisa é incendiar-se o coração
outra coisa, incendiarem-se os sapatos

*

Eros,
diz Anne Carson,
tem a ver com fronteira"

site: https://www.instagram.com/um_comentario_sobre/

Letícia 16/09/2023

Enraizados na errância
De uma a Outra Ilha talvez seja a obra mais inventiva de Ana Martins Marques, um pequeno grande livro em que a poeta mineira mais uma vez combina o melhor de sua lírica: a metalinguagem e a narrativa dos eventos cotidianos.

A plaquete faz parte de uma nova série do Círculo de poemas, mantido em parceria pela Fósforo e a Luna Parque, em que os escritores são convidados a escolher o mapa de um lugar (real ou inventado) e escrever sobre ele.

Aqui encontramos um texto que pode ser lido tanto como um poema longo quanto como fragmentos de poemas diversos, no qual Marques aborda o fluxo de migrantes que passam pela ilha grega de Lesbos. Lar da poeta Safo, que serve ao mesmo tempo de figura de reflexão e inspiração, Lesbos é atualmente local de trânsito para aqueles que são forçados a deixar seus países de origem e buscar refúgio no continente europeu. Na ilha mitológica está localizada o campo de refugiados de Moria, que, após denúncias de superlotação, condições de vida degradantes e incêncios recorrentes, se tornou a “vergonha da Europa”.

Não a toa, o arquipélagos de imagens de De uma a Outra Ilha compõe o livro mais político da autora. Ao final, um questionamento ressoa: de todas as belezas e atrocidades produzidas pelo homem, o que é que fica para a posteridade?

“O trabalho dos séculos:
depositar camadas de coisas
sobre a terra
e depois fazer delas
de novo terra

disfarçar que o mundo é pobre
sobrepondo-lhe
adereços”

A edição conta, ainda, com um excelente posfácio de Guilherme Gontijo Flores, em que o também poeta opõe à imagem da Grécia como berço da identidade ocidental o fato de a sua posição geográfica, no entrecruzamento entre Europa, África e Ásia, condicioná-la a uma história que nada mais é do que uma sucessão de choques entre povos e culturas.