Ibn.Al-Ahlam 22/08/2024
A inutilidade como motivação do mal-querer.
A primeira vez que o li, achei superestimado. Não fiz o trabalho direito, não o interpretei como devia, não possuía o olhar necessário para tal leitura. Percebo, agora, que senti-me bastante incomodado pela primeira vez, hoje vejo que esse incômodo é natural ao lê-lo, é imposto pela magnífica escrita e pensamento do nosso maravilhoso e trágico Kafka.
A obra possui, merecidamente, diversas interpretações, o que talvez fosse o objetivo de Kafka.
Gregor Samsa, para mim ? enquanto fazia a releitura ?, ele continuava humano, evitava vê-lo como uma barata. Isso porque o seu problema estava no trabalho, na vida extremamente cansativa que levava: carregando a sua família nas costas, pois todos dependiam dele, que exercia a profissão de caixeiro-viajante... Acordou, certa manhã, após sonhos intranquilos, metamorfoseado, isto é, doente. Sejamos sinceros e me desculpem pelas palavras que usarei: para aquele que preza pela utilidade ? e que, de certa maneira, necessita ?, em que será útil aquele que perdeu o juízo? De início, "cuidaram-no", sua irmã o levava alimentos e limpava o seu quarto, afinal, se tratava de um ente demasiado próximo; seu pai, o enxotava em qualquer oportunidade; sua mãe... que mãe gostaria de ver o filho sem suas faculdades mentais?
O que me fez muito raciocinar fora quando sua irmã ? ninguém mais da família queria ajudá-lo ? desistiu. Quando Gregor se tornou verdadeiramente um fardo para a família. O instinto "animalesco" se ativou: precisavam se livrar do Samsa, que, vendo-se como "animal", ainda amava-os humanamente ? já não havia mais utilidade nele nem para consigo mesmo, tudo estava nas costas, agora, da família. É como um idoso: quando seus filhos já não suportam mais a sua repetição de histórias e inutilidade, sem conseguir tomar um banho sozinho, e, então, desejam a sua morte, mas crendo que o descanso será do não-útil...
Quando tornar-mos inúteis, é possível que sejamos enxotados como o Gregor era; se quisermos evitar nós mesmos de tal comportamento e ideia, que passemos a apreciar, também, a inutilidade da vida.