Pablo Paz 19/04/2024
Cada época tem seu Alienista
No século XVI, quando surge a reforma protestante, os intelectuais da Igreja Católica diziam que estávamos prestes a ver o fim da cultura ocidental.
No século XVII, com as guerras religiosas entre católicos e protestantes, os filósofos (pense em Hobbes) diziam que estávamos prestes a ver o fim da cultura ocidental.
No século XVIII, com as revoluções americana e francesa, católicos, protestantes e filósofos agnósticos diziam que estávamos prestes a ver o fim da cultura ocidental.
No século XIX, auge do imperialismo e da belle époque!, escritores magistrais, de românticos a naturalistas (pense em Dostoievski, Victor-Hugo, Zola, Nietzsche etc.) diziam que estávamos prestes a ver o fim da cultura ocidental.
Na primeira metade do século XX, entre a 1º e a 2º guerra mundiais, os intelectuais (pense em Spengler) e os modernistas diziam que estávamos prestes a ver o fim da cultura ocidental.
Na segunda metade do século XX, com as guerras Fria, da Coreia, do Vietnã, das revoluções socialistas no chamado terceiro mundo, todos diziam que estávamos prestes a ver o fim da cultura ocidental.
Pausa: a única exceção foi entre 1989 (queda do muro de Berlim) e 2001 (atentado do 11/9), período otimista quando se acreditava que a Globalização, o Liberalismo e a Democracia imperariam e chegaríamos ao Fim da História.
No século XXI, por que seria diferente? Atualmente há uma enxurrada de autores profetizando mais do mesmo: contra a "liberdade sexual, o aborto, a redução das famílias, o pacifismo, a pornografia, o ateísmo, o agnosticismo, a ciência, a ausência de heróis, o fim da autoridade" e etc., etc., etc...
A proclamação do fim da cultura ocidental faz parte da cultura ocidental. É um mote que vai além da função de um mote: é um mecanismo de defesa - um olhar para si mesma que a impede de desaparecer e a faz continuar sua hegemonia mundo afora. Vemos aí a influência bíblica nos discursos laicos, em especial a do Velho Testamento no qual a pregação dos valores morais e o preparo para o fim dos tempos é algo sempre iminente. É que o medo também une e quando une, torna-se um fato social, diria Emile Durkheim. Esses profetas da decadência ocidental, à direita (Oswald Spengler) ou à esquerda (Theodor Adorno), lembram-me sempre o médico do conto "O Alienista" de Machado de Assis. Está tudo ruindo e todos doentes, exceto o médico.
Este livrinho, no estilo Olavo de Carvalho, é mais uma dessas pérolas, porém sem a erudição, a profundidade e a honestidade intelectual de um Spengler e um Adorno.
Muita doença, pouco remédio. Cada época tem seu Alienista.