stopmakingsense 01/02/2024"Pensei no passado-presente-futuro: para os chineses, eles são uma coisa só. Uma única planta retorcida, da qual só vemos suas flores. Admiramos essas flores graciosas e acreditamos nelas, porque não sabemos quão intrincadas, frágeis e monstruosas são suas raízes."
Sinto que este livro ainda vive em mim. Carrego comigo o luto da narradora, a opacidade da Xu, a fome de Xangai.
A escrita é muito bonita, muito imagética. Me peguei devorando Xangai em meio às dores e conflitos da protagonista. Inclusive, achei a falta de um nome para ela muito significativo. Exprime uma falta de identidade deixada pelo luto, uma vontade de engolir a existência do irmão quando ela diz a Xu que seu nome é Ruben.
A incapacidade das personagens de se comunicarem, o contato conflituoso com uma língua tão diferente, tudo isso me envolveu de uma forma um tanto onírica, como se o tecido que separa a realidade do que acontecia naquela Xangai de sonho fosse muito tênue, como se eu estivesse lendo um sonho lúcido. A atmosfera desse livro é tão densa que, ao final, foi como se eu tivesse voltado de uma viagem caótica à China.
"Toda língua traz sentimentos novos. A mim, o que o chinês havia trazido? Amor, ódio, frustração, solidão. Minha solidão em chinês era menor ou maior do que a que eu sentia em italiano? E o amor, que amor era? E tinha mais: um sentimento sem nome, uma sensação de encolhimento, como se tivesse de novo três anos de idade e uma necessidade urgente de ser carregada nos braços. Não era exatamente amor, porque era impessoal. Não é amor o amparo que filhotes em um zoológico encontram em uma mãe de pelúcia. Não era nem solidão, porque a companhia não a extinguia, pelo contrário, até a reforçava. Era uma fome obscura, tão plena de ferocidade e esperança que parecia religiosa. Absoluta como um amém, como o primeiro choro quando nos tiram do útero, nos obrigando a vir ao mundo.?