Vocabulário de memórias ausentes

Vocabulário de memórias ausentes Sergio Geia




Resenhas - Vocabulário de memórias ausentes


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Aline.Goettems 12/09/2024

Hoje trouxe a resenha de uma obra que me impactou profundamente. Com uma sensibilidade incrível, o autor explora a velhice de maneira intensa, sem cair nos clichês esperados sobre o envelhecimento. O que mais me marcou foi como ele consegue retratar a condição da idade avançada com uma crueza que, apesar de dolorosa, é também bela.

São 11 contos que não se concentram tanto no processo de envelhecer, mas na vivência de quem já chegou lá, com suas fragilidades e a lucidez que surge frente às inevitáveis fatalidades da vida. O contraste entre a fragilidade do corpo e a clareza de pensamento é algo que o autor desenvolve com maestria, como se cada conto fosse uma reflexão íntima sobre o que significa continuar existindo quando o corpo já não responde como antes. O que achei particularmente tocante, foi a maneira como ele humaniza os personagens, permitindo ao leitor sentir empatia por suas dores e dúvidas.

O primeiro conto “A Menina da Praia” virou um favorito, onde conhecemos um homem que não quis casamento nem filhos, e agora a solidão está presente; em suas caminhadas pela praia ele observa uma menina fazendo uma orquestra imaginária, o final desse conto me pegou desprevenida.

Além desse acima, “Cinco Horas” também foi outro conto que se destacou para mim, adorei conhecer a Sra. Lucia, ela me lembrou minha avó. E não poderia deixar de falar sobre “Voz e Violão”, um conto que me emocionou, assim como Adriana. Por mim eu falava sobre cada um, mas em breve trago mais posts.

Em cada conto, há uma lembrança ou sensação que fica ecoando muito depois de terminar a leitura, alguns contos são mais dolorosos, enquanto outros conseguem ser mais leves, sendo um ótimo equilíbrio em toda a leitura. Sem dúvidas uma leitura que vale a pena, e que você se identifica em algum momento. Com uma escrita fascinante, Sergio trás um convite para enxergar as fragilidades e as forças que nos mantêm de pé, mesmo nos momentos mais difíceis.

site: https://www.lostwords.com.br
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@retratodaleitora 18/05/2024

Contos inteligentes e complexos
"Vocabulário de Memórias Ausentes", de @sergiogeiaoficial (@editorasinete) reúne onze contos que vão explorar de uma forma muito profunda a natureza humana.

O autor trás nessas narrativas curtas estudos de personagens, e foi isso o que eu achei mais bacana na obra: todos os personagens são bem elaborados, bem construídos e desenvolvidos. Nos sentimos próximas a eles.

Outra coisa muito interessante no livro é a forma como Sergio Geia criou narrativas curtas mas com temáticas fortes e aprofundadas. Nada aqui é raso.

A forma brusca como acabam algumas histórias também me fizeram refletir bastante sobre como estamos condicionados a esperar por um final amarrado, sem dar asas à imaginação para criarmos nós mesmos um final, ou especular sobre o que de fato poderia ter acontecido ali.

A escrita do autor é muito crua e direta, mas tem espaço para a emoção, e ela se faz muito presente em alguns contos, como "Pequena Despedida" e "As Azaleias Não Brilham Mais". Também gostei muito de "Clube dos Ratos", pois a abordagem da infância e seus mistérios me é muito cara.

Recomendo a leitura!


@retratodaleitora
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 25/02/2024

Editora Sinete - 156 Páginas - Imagem de capa: Rodrigo Scott - Lançamento: 2023.

O mais recente lançamento de Sergio Geia é uma antologia de contos que aborda diferentes aspectos da fragilidade física e psicológica inerente à condição humana, principalmente em uma época na qual as "relações líquidas", como definido por Zygmunt Bauman (1920-2017), tendem a ser menos frequentes e menos duradouras. Portanto, os personagens precisam lidar, cada um a seu modo, com o isolamento decorrente da passagem do tempo e o sentimento de perda e ausência que costumamos chamar de solidão. Neste caso, as lembranças constituem uma pequena esperança de felicidade, ainda que seja confundindo imaginação com realidade.

Em "A menina da praia", conto de abertura do livro, o protagonista, que sempre negou a necessidade de casamento e filhos, percebe que o tempo passou e a idade chegou, assim como a solidão depois da perda dos amigos. Vivendo apenas com a companhia da cadela Francisca, ele preenche o seu tempo caminhando pela praia e observando diariamente uma menina "na casa dos trinta que sofria de algum mal, isso estava claro", regendo uma orquestra imaginária com um palito de sorvete, cantando e dançando. A narrativa avança para um final surpreendente, quando o personagem decide comprar uma batuta de verdade para a menina.

"Abriu a porta do apartamento ainda incomodado. Na mente, a imagem da menina maluquinha. Ela conseguira encontrar uma porta aberta. Sem pedir licença, entrou, invadindo os ambientes da casa. Mexeu em compartimentos escuros, inacessíveis, dos quais nem ele mesmo tinha a senha. Xeretou por todos os cantos, até que, por fim, após esquadrilhar a sua mansão, chegou à alma. E agora, o que fazer? / Francisca o recebeu à porta com saltos de alegria, transportando-o para outra faixa de consciência muito mais suave. Ele a pegou no colo quase agradecendo pelo instante mágico. Beijou-a na cabeça branca, levando-a ao sofá. [...] E beijou Francisca muitas vezes até que, irritada, a cadela escorregou de seu colo, deixando-o à míngua. Com a ponta da língua, ela alisou a água do pote, sugando-a levemente, cheirou a xepa da noite com desinteresse, depois invadiu o pequeno caixote disposto no canto da sala, enrolando-se à manta de lã." (p. 22) - Trecho do conto A menina da praia

já em "Pequena despedida", um escritor desiste de acompanhar o desmanche do seu corpo, vivendo um último dia em grande estilo, apesar das limitações decorrentes da decadência física: "Acho que consegui viver bem comigo mesmo, com o aço gelado e duro da solidão, mesmo contra ele colidindo algumas vezes. Pode parecer estranho, mas o excesso de tempo, esse ouro que a velhice traz, tem lá o seu embuste: se você não souber ocupá-lo bem, pode se machucar." Antecipando o encontro inevitável e próximo com a morte, este personagem está de certa forma, por estranho que possa parecer, valorizando a própria vida.

"Já vivi o suficiente e posso dizer que tomo essa decisão com convicção. Não foi fácil. Um processo longo e doloroso em que a vi amadurecer, sem pressa, sem impulsos de colhê-la do pé antes da hora. Deixei chegar o seu tempo e, quando chegou, eu também estava pronto. Para muitos pode parecer loucura, a execução de um papel que não me é permitido. A esses afirmo que minha vida foi longa e bem vivida, sem contar que hoje ela se arrasta, apenas esperando a hora do fim. Creio que posso dispor dela da forma como entender conveniente, um direito legítimo. Por que esperar sabe-se lá quanto tempo mais vivendo este massacre, tendo a certeza que daqui a pouco outrem virá e dará cabo de mim?" (pp. 79-80) - Trecho do conto Pequena despedida

Para equilibrar um pouco o clima de melancolia, o autor acrescentou alguns contos mais leves, como o divertido "O mosca", no qual o protagonista passa pela desconfortável situação de se apresentar no alistamento militar e ainda por cima ser eleito como foco das gozações devido à sua semelhança com o ator Jeff Goldblum que se funde geneticamente com uma mosca no filme homônimo após uma mal-sucedida experiência em um dispositivo de teletransporte. Outro conto que destoa do clima da antologia é "Voz e violão", uma narrativa romântica ambientada em uma noite mágica com céu estrelado, música e vinho.

"Era calado o pai. A mãe falava, mas era chorona. Se a mãe resolvia me dar bronca por alguma arte, ela gritava de dar medo. Era um grito ardido, que feria os tímpanos. Por vezes ouvi pai e mãe brigando no quarto. A voz grave do pai duelando contra a voz aguda da mãe. O pai não gritava, nem era de se agastar. Mas se isso acontecia, se ele ficava nervoso e gritava, o grito era um trovão, parecia que o chão da casa estava a rasgar, como um terremoto. Daí mãe chorava. Eu tinha pena, e também chorava por dentro. / Adultos são tristes. Não me pergunte o momento exato em que a tristeza chega, pois não saberei responder. Mas ela chega. Como torneira velha. A gotinha fica lá, a pingar, fina, contínua, depois cresce, engrossa, o tempo passa, o copo enche. Quando se é adulto, o copo entornou. Aí a tristeza fica, viva, vivendo a vida junto. Meus pais eram assim." (p. 90) - Trecho do conto Clube dos ratos

Sobre o autor: Sergio Geia nasceu em Taubaté, São Paulo. Servidor público da Justiça do Trabalho, é editor e cronista do Crônica do Dia. Acadêmico titular da Academia Taubateana de Letras, publicou o romance Confidências de um sacerdote (Cabral Editora) e o livro de crônicas Folha 🤬 #$%!& (Editora Matarazzo). É um dos autores da antologia de crônicas Retire aqui a sua história (Editora Sinete), uma publicação com colaboradores do coletivo Crônica do Dia.
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