Arthicus 03/10/2024
Em algumas postagens antes do lançamento do livro e depois, Vitor falou sobre como este foi um trabalho dele em que uma chave foi virada para ele como escritor. Que é uma mudança na sua escrita para uma outra fase. Uma outra Era, por assim dizer.
Eu concordo totalmente com ele.
Aproveitando da analogia dele, digo que é como se uma porta se abriu e fomos para outro lugar neste seu novo trabalho. Um lugar onde conversas mais adultas e maduras irão acontecer. Em “Mais ou menos 9 horas” acompanhamos Junior em sua viagem de ônibus – de mais ou menos nove horas – para a cidade natal, para o enterro do seu (não tão presente em sua vida) pai. Acontece que ao lado dele está Otávio, seu ex namorado, da época da adolescência. As conversas com este ex namorado e seus próprios questionamentos nos levam para o passado e vemos como as coisas aconteceram (ou não?) no ponto de vista de Junior e como está sendo tudo isso para ele nas vésperas dos seus 30 anos.
Não pense que apesar do tema soturno da sinopse que é um livro triste. Ele tem sentimentos e conversas envolvendo um falecimento de um parente próximo, mas são conversas únicas porque o Junior não sabe muito bem o que sentir, afinal o pai dele não foi alguém que participou da sua vida ou que estava lá. Também acaba sendo um livro engraçado pelas intervenções de Junior e a maneira jocosa de sua personalidade. Pronto para fazer alguma piada ou pouco da situação.
Mas, além desta inda a rua de memória é um confrontamento da realidade.
Junior coloca na mesa a conversa sobre o momento em que se encontra. Onde ele está, como sendo um homem gay de 30 anos “trabalhado como roteirista para um podcast onde duas mulheres ricas vão ficar conversando” e se está fazendo certo este lance que é a Vida. Um questionamento que acredito todas as pessoas LGBTQIAP+ se encontram ou vão se encontrar em algum momento.
Novamente citando o Vitor, “este livro é um livro bem Azul”.
Em questão de escrita, se você já leu algum outro trabalho do Vitor, e gostou, está para um prato cheio. Há tudo aqui que se já teve antes e mais. Se você não gostou, acho que é uma porta de entrada interessante. Além também de ser uma leitura rápida.
Tendo dito todos os pontos positivos, e reafirmando aqui com todas as letras, foi um livro que gostei bastante, mas há alguns pontos de crítica.
Para mim, em alguns momentos, Junior me fez revirar os olhos e beirou o irritante. Principalmente em um momento específico da história, onde vemos como se sucedeu o término do relacionamento dele com Otávio. Também não posso dizer que confio totalmente como ele descreve algumas coisas de seu passado. Apesar de alguns momentos termos o Otávio ali dizendo, como garantia, de que algumas coisas aconteceram da maneira que aconteceram, a perceptiva do momento em que esta no presente ou a seleção do que foi omitido, se destaca ao termos o Otávio no Agora contra-argumentar o Junior ou revelando coisas que ele não sabia até o momento. Mais sobre omissões, sabemos que o pai de Junior não é uma pessoa participativa em sua vida. E isso fica claro no texto. Seu pai tem duas (três?) participações na história, fisicamente dizendo, na maior parte do tempo ficando mais como uma figura assombrosa no qual não temos muito no que se basear em seu comportamento, que não seja passado pela perspectiva de Junior, uma pessoa que em certo momento diz “ter o pai como uma figura que pode colocar a culpa de todos os seus problemas”. Não estou dizendo que queria um personagem “terapeutizado” do Junior, mas eu gostaria de ter visto mais ações de quem era este pai que era tão distante. Talvez isso tenha haver com o tamanho do livro. Acho que isso reflete na figura da mãe, que acabamos sabemos pouquíssimo sobre, principalmente com base em momentos no qual ela parece ter tido certa importância na vida de Junior. Não digo que o livro deveria ser mais longo o que valha. Ele tem o tamanho que deve ter. Eu só gostaria de ver mais coisa do passado Junior em um corte mais amplo.
Tendo dito tudo isso, reforço mais uma vez, é um livro que gostei muito, que valeu muito a pena. Digo ainda que, tendo acompanhado os trabalhos do Vitor a tanto tempo, dês da época de que ele fazia resenhas no youtube (saudades), não posso negar um certo orgulho por ver onde ele chegou. Ao mesmo tempo que fico curioso em saber o que vem dele nesta nova Era.