nerito 18/10/2024
Convivendo com a morte
Ângela tem premonições de gente morrendo. E não são apenas visões, mas experiências vívidas de morte. Ela sente como se morresse junto com a pessoa. Isso causa um profundo estresse na mulher, que desenvolve uma forte fobia social e busca, de todas as formas, isolar-se. Quando ela testemunha um atropelamento, o policial Rafael entrará na sua vida e a transformará para sempre, mesmo contra a sua vontade.
Assim tem início o romance "Értom", de Bianca Pontes. O enredo nos leva a testemunhar os problemas de Ângela Értom, seus desafios diários, seu refúgio em um prédio em que mais ninguém mora, a companhia da avó morta, que a assombra. E Rafael. O policial é insistente em fazer de tudo para ajudar a mulher. O que antes parece ser um forte senso de dever se transforma em paixão, que é rapidamente correspondida.
Rafael é o modelo de galã. Bonito, forte, charmoso, lutador de artes marciais e policial exemplar. Ele não consegue esconder o interesse por Ângela. A estratégia para romper as defesas da moça será o cão policial idoso Zeus, um pastor alemão carismático capaz de derreter qualquer gelo.
Ao longo da narrativa, o foco passeia entre Ângela e Rafael, de forma por vezes até abrupta. O leitor tem que se manter atento para perceber com quem está o foco narrativo. Trata-se de uma narradora onisciente neutra, que revela a nós, leitoras e leitores, o que Ângela ou Rafael pensam, suas inseguranças, seus medos e os questionamentos que pipocam em suas mentes nesse complicado jogo de conquista.
Trata-se de uma conquista, sim. É uma história de amor, afinal. Porém, é possível perceber que tanto Ângela quanto Rafael buscam se entender, antes de tudo. A química amorosa é consequência. Intrigado com a mulher que vive isolada de tudo e todos, resistente até a pedir ajuda médica com um braço quebrado, Rafael sente-se no dever de ajudá-la, de entendê-la. Ela se torna um enigma a ser decifrado.
A avó de Ângela surge como um grilo falante incômodo. Um cacoete de consciência, misturado com pensamento intrusivo, o que torna a vida de Ângela um inferno, ao mesmo tempo que nos diverte na leitura. Os diálogos com esse fantasma são uma forma de humor sombrio, ao mesmo tempo um alívio cômico, uma vez que os comentários da idosa são espirituosos.
As relações humanas são o grande foco de "Értom". Não é o sobrenatural ou mesmo as investigações do diligente policial. Bianca Pontes reflete sobre sofrimento mental, (des)crença, empatia e paixão. Rafael e Ângela sentem um magnetismo forte entre eles. Não sem acidentes, é claro, pois todo relacionamento é feito deles. Rafael luta para entender o problema de Ângela e quer ajudá-la. A questão maior é justamente a abordagem equivocada do policial.
Só que esta é uma história de amor, antes de tudo. Com mortes, visões sombrias, sofrimento, pânico e um fantasma incômodo, mas não deixa de ser uma história romântica. Uma narrativa que aposta no amor acima do sofrimento e dos desencontros. E que acredita que almas que se amam são capazes de vencer tudo, até mesmo a morte.