Carol.Ortiz 24/07/2018
Kafka Animalizando o Ser Humano – Um artista da Fome
Franz Kakfa, em 1922, escreveu um dos mais simbólicos e intrigantes conto da literatura mundial. A história narra a vida de um artista cujo talento é jejuar. Passa longos períodos sem comer na esperança do reconhecimento do público. Entretanto, o que no início era uma agradável atração, se transforma na mesmice monótona do cotidiano e os espectadores, tão incansáveis por buscar novidades, deixam a atração de lado e vão procurar novas emoções. O artista, incompreendido, chega ao seu limite e o desfecho do livro é um episódio surpreendentemente fatal que banaliza completamente o espetáculo.
Li esse livro ainda adolescente, logo após me aventurar no complicadíssimo “A metamorfose”. Achei que seria mais um clássico enigmático do autor, mas a narrativa crescendo, a ambição cada vez maior, a animalização do ser humano e o ápice abrupto com o final despencando para uma tragédia fizeram essa obra entrar para a lista dos meus preferidos.
Kafka levanta inúmeras e inquietantes questões humanas existenciais quando descreve o personagem principal e as características de seu público. Por que estamos sempre insatisfeitos? Por que sempre queremos mais? A ambição, necessária para a sobrevivência, além de parâmetros éticos, é também um vício incontrolável e destruidor? Conseguimos encontrar prazer em algo verdadeiramente real ou sempre precisamos desejar e ter sonhos? Caímos num ciclo vicioso em que nada nos satisfaz por completo e carecemos de novidades, de emoções diferentes, de situações que nos tirem da rotina. É isso que nos torna humanos?
Quando o autor aborda os sentimentos negativos do jejuador, é possível nos sentirmos arremessados à um mundo primitivo das vontades humanas: a raiva, a ira, a irritabilidade de ter que controlar um desejo canibalesco de devorar tudo e todos ao seu redor. Quem nunca se sentiu assim? Voltamos às nossas raízes e nosso lado mais animal tenta emergir no meio das nossas duras construções éticas e morais. A agressividade oral e a banalização da mesmice são o que tornam essa obra algo grandiosamente construído: ao mesmo tempo que nossos instintos animalescos querem se exteriorizarem, o autor nos coloca na posição de uma fera selvagem, domesticada e aprisionada para o deleite sádico de quem está observando.
Leiam Um artista da fome. Leiam Kafka.
site: http://www.ojornalzinho.com.br/2018/07/24/kafka-animalizando-o-ser-humano-um-artista-da-fome/