spoiler visualizarCamilla.Steban 07/12/2023
A obra que conseguiu um espaço naquela categoria pequena de inesquecível.
"Escuta o que vou le dizer, meu amigo. Nesta província a gente só pode ter como certo uma coisa: mais cedo ou mais tarde rebenta uma revolução."
O Continente (vol. 1) é, sem nenhum exagero, uma obra-prima. Um daqueles livros essenciais para todo rio-grandense e ser humano, que mexe de uma forma tão profunda conosco que nos sentimos uma outra pessoa ao terminar. Com a história gaúcha como plano de fundo, Érico Veríssimo nos guia numa jornada de descobertas, felicidades e decepções da família Terra Cambará que nos faz rir, chorar e guardar para sempre na memória.
"Nada. Ninguém. Só o silêncio no casarão, o vento nas vidraças e o tempo passando... Bem dizia minha vó resmunga d. Bibiana, cerrando os olhos. Noite de vento, noite dos mortos."
O Continente (vol 1) é narrado de forma não cronológica com os acontecimentos da Revolução Federalista se intercalando com eventos ocorridos nas Guerras Guaraníticas, nas Guerras contra os Castelhanos e na Revolução Farroupilha. Porém, muito se engana quem acha que a trilogia O Tempo e O Vento é meramente uma ficção histórica, uma narrativa sem fim de guerras. Usando a história do Rio Grande do Sul e suas guerras como plano de fundo, Veríssimo explora a própria condição humana, com seus medos e anseios. Enquanto o tempo, como a guerra e o homem, é endurecido e metrificado, sem volta, o vento, como a vida e a mulher, vai e volta, às vezes se arrastando, às vezes correndo e o autor, como o tempo e o vento, nos dá a narrativa completa do que é o Rio Grande do Sul e o que é ser gaúcho.
"Viu guerras e revoluções sem conta, e sempre ficou esperando. [...] Como o tempo custa a passar quando a gente espera! Principalmente quando venta. Parece que o vento maneia o tempo."
Uma verdadeira obra épica O Continente narra a história da família Terra Cambará que, centrada em Santa Fé, serve como um micro para o macro do Rio Grande do Sul e do mundo. Misturando o mágico com o real, Veríssimo nos traz personagens inesquecíveis como Pedro Missioneiro, Ana Terra, Bibiana, cap. Rodrigo Cambará, Luzia e Licurgo. Como não sentir a dor da morte de Pedro? Ou admirar a coragem de Ana Terra e Bibiana? Como não amar odiar o capitão Rodrigo e Licurgo? Como não se fascinar com a teninguá? O próprio Sobrado é um personagem por si só, influenciando seus moradores, um resumo do que é ser um Terra Cambará. Veríssimo conta a história real, dolorida do que foi o Rio Grande do Sul e o que é ser gaúcho, sem perder de vista o orgulho de quem mora nessa terra, que faz tanta parte da nossa história que, às vezes, é difícil descobrir onde começa uma e termina a outra.
"Parece que a terra ia se entranhando, não só na pele como também na alma deles."
Além da guerra e da relação com a terra, Veríssimo também explora a condição feminina no Rio Grande do Sul. Por meio de personagens fortes como Ana Terra, d. Bibiana, Luiza e Maria Valéria, o autor explora o papel da mulher gaúcha ao longo dos séculos e sua constante posição servil, sempre cuidando dos filhos, da casa e esperando... Esperando por seus pais, irmãos, marido e filhos que saem em suas guerras e conflitos, deixando-as para trás.
"Sina de mulher é essa: ficar em casa esperando, enquanto os homens vão em suas andanças. Mas por que será que o tempo custa a passar quando há guerra? Decerto não pode andar ligeiro, tropeçando num morto a cada passo. E por que será que às vezes o vento geme tanto que parece ferido? Decerto porque viu muito horror no seu caminho."
"Ter filhos é negócio de mulher, eu sei. [...] Criar filhos é negócio de mulher. Cuidar da casa é negócio de mulher. Sofrer calada é negócio de mulher. Pois fique sabendo que essa revolução também é negócio de mulher."