Gustavo Palma 27/10/2024
Noite de vento, noite dos mortos
A escrita de Érico Veríssimo é incrível, ela realmente te prende do início ao fim do livro. Me encantei com ele por "Caminhos cruzados", e a primeira parte "Incidente em Antares" me despertou o interesse de dar uma chance para esse épico gaúcho em sete tomos.
Nesse primeiro tomo, somos apresentados a um momento "presente" (que se passa em 1895) e a três momentos anteriores que traçam a genealogia da família: a história de Pedro, no período missioneiro (1745-1750); a história de Ana Terra, na virada do século (1777-1811) e a história de Rodrigo Cambará e Bibiana Terra nos anos que antecedem a Farroupilha (1828-1835). O entrelaçamento dos capítulos é muito gostoso e vai aos poucos se revelando nas características familiares dos Terra (e dos Cambará, em menor grau), com a linha de conexão central permeando um punhal de prata castelhano que é legado de geração a geração.
Érico produziu uma belíssima análise do que é, para ele, a identidade gaúcha, em várias vertentes: a religiosa, dos padres autoritários que acham que a religião é o salvamento (porém depende...); a feminina, cuja sina é fiar na velha roca de Ana Terra enquanto sofrem medo dos e pelos homens da família; a masculina, em sua preocupação extrema com a política e com a necessidade de pelear; a das crianças, que nem sempre entendem o que exatamente está acontecendo ali, mas tomam um lado nos conflitos.
Os capítulos dedicados a Ana Terra e ao Capitão Rodrigo são os grandes destaques do primeiro tomo, até pelo tamanho de ambos (cerca de 80 e 130 páginas, respectivamente). Ana Terra sofreu mais que o Cristo de nariz carcomido, e é com certeza uma das personagens mais fortes da literatura brasileira. Me parece quase impossível não gostar dela, ou ao menos simpatizar fortemente. O Capitão, por outro lado, é uma figura controversa, que desperta tanto um pouco de raiva quanto um pouco de interesse -- e preciso dizer que concordo com as observações do Padre Lara sobre o homem.
Minha curiosidade agora é como a história vai se desenrolar por mais seis livros, considerando que a árvore genealógica já parece quase fechada (faltando apenas esclarecer quem é o pai de Licurgo, que suspeito ser o Bolívar). Vou começar o segundo tomo d'O Continente assim que possível, porque estou de fato muito preso na história centenária dessa família.