Craotchky 25/08/2019Bastidores da obra ou Erico por ele mesmo(Este texto segue os moldes daquele texto que fiz para O Continente, portanto, também contém as palavras do próprio Erico Verissimo, extraídas de seu livro de memórias intitulado Solo de Clarineta. Há aqui, então, uma parceria entre Erico e eu. Os trechos do próprio Erico além de estarem entre aspas também aparecem em itálico para aqueles(as) que estiverem lendo pelo site e na página de resenhas.)
"Comecei a escrever O Retrato em janeiro de 1950, na praia de Torres, num apartamento com vista para o mar."
Assim Erico começa a parte 26 do capítulo V de seu livro de memórias Solo de Clarineta. Continua:
"Em março voltei para Porto Alegre com algumas centenas de páginas já prontas."
De volta à capital, Erico continuou o trabalho em casa. Na sala de jantar colocou a máquina de escrever em cima da mesa, ladeada por pilha de volumes contendo números do jornal Correio do Povo correspondentes aos anos de 1910 a 1915. Quando escrevera O Continente, Erico tivera que lidar com a falta de documentos e de maiores conhecimentos dos primeiros anos de vida do Rio Grande do Sul. Ao escrever O Retrato não houve este empecilho pois o autor dispunha de recursos acerca da época:
"Para escrever essa sequência de O Continente eu contava naturalmente com documentos abundantes e fáceis de obter."
Erico já havia decidido seu protagonista:
"Tinha decidido dedicar todo o livro a um 'retrato de corpo inteiro' do Dr. Rodrigo Terra Cambará, bisneto e homônimo do bravo capitão. O novo Rodrigo [...] devia representar um largo passo dos Cambarás rumo de sua urbanização e também o princípio da intelectualização de sua família"
Nas suas memórias Erico diz também que não vai muito com a cara de Licurgo Terra Cambará, ao mesmo tempo em que admite sua simpatia para com o Dr. Rodrigo:
"Não esconderei que me sentia perfeitamente à vontade na companhia do Dr. Rodrigo, porque, como ele participasse um pouco da minha aversão à vida campestre [...] eu me livraria da obrigação de estar constantemente no Angico, a estância da família."
O personagem Rodrigo Terra Cambará constituiu-se como, nas palavras do próprio Erico:
"uma espécie de sósia psicológico de Sebastião Verissimo [pai de Erico]". Assim
"era natural que eu pensasse também na possibilidade de entrar no livro como personagem, caso em que teria de meter-me na pele de Floriano[...]"
Entretanto salienta:
"Queria, porém, que Rodrigo Cambará fosse parecido mas não idêntico a Sebastião Verissimo. Teriam ambos em comum a sensualidade, o amor à vida, a bravura, a generosidade, a vaidade à flor da pele, a autoindulgência e a mágica capacidade de fazer dos homens amigos fiéis até o sacrifício e das mulheres amantes apaixonadas. Diferente de meu pai, a personagem central de O Retrato seria fisicamente um belo espécime masculino e teria o que o velho Sebastião nunca pareceu ter tido: ambição política[...]"
Em outro momento Erico conta que Toríbio Terra Cambará foi inspirado em seu tio Nestor Verissimo:
"Tomei desse meu prodigioso tio o físico, a coragem cega, o gosto pela ação guerreira, um que outro episódio de sua aventurosa vida, e o seu insaciável apetite sexual."
Aderbal Quadros, segundo Erico, carrega muitos traços físicos e psicológicos de seu avô paterno. Em algum momento do processo de escrita, Erico percebeu que Flora estava correndo o risco de transformar-se num retrato da sua própria mãe. Erico admite que seu temor de transformar Flora em D. Bega (mãe de Erico) terminou fazendo-o tratar esta personagem sem verdadeira intimidade.
"[...] talvez isso explique a razão por que Flora é das figuras mais apagadas tanto de O Retrato como de O Arquipélago."
Segundo o texto da orelha desta minha edição de O Retrato, em uma entrevista, ao ser perguntado se este segundo tomo da trilogia é superior ou inferior ao primeiro, Erico respondeu:
"A única coisa honesta que lhe posso dizer é que jamais escrevi um livro com tanto prazer como este segundo volume de O Tempo e o Vento."
Mesmo assim, em suas memórias, Erico também diz que
"A despeito do prazer com que o escrevi, achei-o literalmente inferior a O Continente. Para principiar, falta-lhe o elemento épico."
Bem, acho que já me alonguei demais. Meu objetivo aqui foi trazer algumas curiosidades pouco conhecidas e que julguei interessantes para quem já leu a obra. Apenas lamento que, para quem não leu, este texto possa parecer insípido. Até.