Lorenna.Lima 09/12/2023
"Mete o brio naquele lugar de onde não sai "
"Não operarás o paciente no dia de sua morte", é o mandamento a que se refere o título do livro. É a frase pronunciada de pai para filho no momento mais doloroso da história. É o imperativo de como todo médico deve respeitar suas próprias limitações diante da morte.
Shiva e Marion são gêmeos nascidos na Etiópia em condições pouco comuns, não só por virem ao mundo ligados pela cabeça, mas por serem filhos de uma mãe freira indiana e um cirurgião inglês. São criados por Ghosh e Hema, também médicos, em Adis Abeba, capital do país, orbitando o ambiente do Hospital da Missing, onde crescem, aprendem e conhecem o amor, não só pela medicina.
Ghosh é o personagem, na minha opinião, mais fascinante da história, apesar desta ser narrada e protagonizada por Marion. É o pai amoroso, presente e ciente da singularidade de seus filhos, é um marido amoroso e arrebatado, é um médico empático e perspicaz, é um amigo leal, é um aprendiz incansável, é um professor por vocação e paixão, é um apaixonado pela medicina. É um fanfarrão, que com a satisfação com sua família e sua vida, a vive plenamente, sem aparentar insatisfações pelo que não possui. É um agradecido.
Também poderia ler um livro inteiro só sobre Hema. Mulher forte. Saiu da Índia para trabalhar como a ginecologista na Etiópia num hospital filantrópico fugindo do nepotismo e machismo que determinavam quem tinha oportunidades no seu país. Escolheu tornar-se mãe. Entregou-se a esse papel. Deixou-se amar e amou com entrega.
Poderia escrever uma resenha para cada um dos personagens, tamanha a ligação que criei com esse livro.
Confesso que as referências a medicina conversaram com minha própria história e tiveram um apelo particular em mim. Há momentos, que a escolha por essa carreira é posta em dúvida. São diversas as ocasiões que isso acontece. Para mim, o livro foi um alento, não mitigou minhas inseguranças, todavia, me lembrou algumas das razões pelas quais escolhi essa profissão, seus encantos, que, às vezes no redemoinho da vida, é tão fácil esquecer. Acredito que esse seja um dos motivos que tornaram Ghosh tão especial para mim. Ele nunca parecia esquecer as dádivas da medicina e da vida, apesar de enxergar as amarguras.
"Mete o brio naquele lugar de onde não sai!" era frase favorita dele e agora é a minha também.