Roseane 25/07/2020
Nada Digo de ti, quem em ti não veja
Eliana Alves Cruz é uma das mais importantes romancistas dos últimos tempos. Com seus escritos, ela tem o poder de nos transportar para outras épocas e contar histórias através de narradores que são estruturalmente ocultados da literatura brasileira. Ela cria em nós uma aliança e pertencimento com nossos ancestrais e fala das suas possibilidades de vida além dor do sistema escravocrata.
Romance é um estilo literário que com sua narrativa nos conta uma história que nos remete ou transita por um tempo/época que são bem marcado. Nos situamos temporalmente por datas que podem ser mencionadas, mas pela ambientação, comportamento social, cultura e costumes bem definidos para a época explorada. Este livro é um romance histórico recheado de suspense.
A autora explora os mistérios da vida e do amor. O narrador (a) secreto (a) é o que tudo sabe, mas está tudo em ti.
E você, tem algo a esconder? Para quem é curiosa como eu, se seduz por esse linguarudo (a).
O período colonial como sabemos, foi uma época de muitas tramoias. O colonizador para chegar nas américas e roubar as terras dos povos originários teve que contar muitas mentiras e manter muitos segredos. Esse mesmo grupo foi para África e sequestrou, transportou além-atlântico e explorou corpos/mentes negras. As vítimas eram infantis, jovens, femininas... Para que toda essa estrutura de dominação se mantivesse, além da brutalidade física, poder bélico, genocídio e benção cristã, mistérios e intrigas dentre o próprio grupo dominante era necessário.
E aí? Confiar em quem? Estamos a salvo com nossos segredos?
Duas famílias com grande poder econômico têm seus conflitos expostos. O privilégio branco e a tentativa de manter superioridade é baseada por motivos que vivenciamos até os dias de hoje que se da através da exploração e apropriação de saberes e corpos alheios.
Genialidades são submetidas a um sistema de opressão, mas no livro a resistência não é ocultada, muito pelo contrário, as estratégias hiper criativas são surpreendentes. O grupo da resistência tem seus segredos, seus mistérios e olhos são vendados por garantia.
Saberes mágicos, potência estratégica, perspicácia, poder de negociação, conexão com a ancestralidade, identidade étnica, persuasão, memória de elefante, o pensar na comunidade, na partilha são algumas das molas propulsoras do grupo de escravizados narrados. O âmago para resistência é o amor.
O amor é quem manda em tudo. Pela fé, pela família, pela terra mãe, pela comunidade, pelos ancestrais, pela identificação de si própria nesse mundo, pelo prazer erótico e as delícias do corpo e da carne... é assim que eles sobrevivem ao banzo.
Experiências afetivas fortes e proibidas são prato cheio para o nosso fofoqueiro (a), ops, narrador (a). O medo de perder dinheiro e a moral perante a sociedade bota tudo de pernas para o ar.
Ambientado no Rio Antigo e com os numerosos Africanos e afro descendentes, a cidade preta surpreende o líder religioso cristão que aporta para mais uma missão corriqueira da época, bem no estilo “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”. Esse que deveria ser o exemplo de integridade, esta mais para o “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.
A família privilegiada tem uma vida confortável através usurpação que lhes é peculiar, mas tudo é abalado quando sofrem ameaças de terem seus segredos revelados.
Vitória é a personificação do poder da mulher negra. É ela que com sua magia, impulsionada pelo amor que ela sente por outro, que sente por ela e que ela compartilha com seus iguais, que as histórias levam várias revira voltas.
Zé Salavú e Quitéria são escravizados desde a infância e atam um romance quando chegam a idade da juventude e dai eles procuram meios de ficarem juntos e a liberdade da família e dos amigos é a opção principal, porém é preciso muito dinheiro pra isso. Mergulhamos então nos bastidores da exploração econômica dos corpos negros. O sentimento de posse de seus escravizadores e a inveja também são obstáculos. Pelo meio do caminho a amizade e sororidade se tornam arma e escudo.
O livro é do estilo que nos consome. Ficamos curiosos a cada capítulo. É uma forma diferente e divertida onde a ficção faz contato com a história real. Relações sócias/ raciais cheio de fofoca porque é disso que a gente gosta.
Leiam o livro!