Jaguatirica 24/04/2024
Olhe para trás
Uma história de gerações de mulheres que carregam o peso de supostas desgraças destinadas a elas, das quais não podem escapar. Ainda assim, cada uma das filhas de Shusha buscam driblar esse destino, construindo novos sentidos pra suas vidas, fazendo o que querem, criando oportunidades dentro de uma realidade tão limitante.
Mas Roxanna nasceu de um jeito um pouco estranho, com 8 meses, e nesse dia uma série de eventos políticos e fenômenos climáticos começaram a ocorrer. Todos pensaram o óbvio pra aquela cultura: Roxanna era amaldiçoada e essa criança cresceu com a certeza de que destruiria tudo o que tocasse, seja com suas escolhas ou com suas previsões. Ela foi acumulando tanto medo ao longo da vida que passou a ter uma visão de túnel das coisas, incapaz de enxergar possibilidades. Além de uma personalidade escorregadia, desapegada e individualista. Construiu uma casulo para si, a fim de se proteger. Era uma pessoa doce mas muito sonsa, vitimistas e de mente fraca. E não pedia ajuda, porque cresceu "amaldiçoada" e desejava fugir da família e de todos a fim de que sua maldição não respingasse nos demais.
Mas Roxanna começa a ter sonhos onde voa e visita o mar Cáspio. Quando acordava, haviam penas espalhadas pela cama e pelo chão, que em vão a família tentava esconder. A cada dia mais penas. Roxanna queria voar.
Foi expulsa de casa e aprendeu com Alexandra, uma mulher russa excêntrica que criava muitos gatos, que ela NÃO DEVIA OLHAR PARA TRÁS se quisesse sobreviver. E infelizmente Roxanna levou isso ao pé da letra.
Com uma beleza peculiar e uma presença sutil e aquática, Roxanna conquistou Sohrab, que tinha por ela verdadeira devoção. Mas Roxanna nunca o amou e a presença dela naquela casa causou muitas ruínas. Mas não foi a presença dela em si, como ela acredita que foi. Foram as coisas não ditas, os segredos, o medo dela que a prendia em um individualismo desesperado, sempre vendo a si mesma e o próprio sofrimentos, desesperava pra voar e fugir dos problemas sem resolve-los, incapaz de conquistar outros caminhos. Paralisada pelo medo.
Ela acreditou nisso. Acreditou que não tinha opções, acreditou que era completamente infeliz e amaldiçoada e afogou-se, convencida de que tudo bem se autoflagelar desde que não fizesse mal aos outros. Outro erro: ela achar que, fugindo e permanecendo longe, libertaria as pessoas. Mas problemas não somem. Roxanna, você deixou marcas nas pessoas e é tão sonsa, dotada de autopiedade e baixa autoestima que não percebe que está envolvendo todo mundo na tua dor mal resolvida. Conversa, mulher!
E aí chega Mercedez e Míriam a Lua. Duas mulheres que se odeiam mas que são muito parecidas e tem algo em comum: amam Roxanna. Elas são as pessoas que tiram Roxanna, e posteriormente sua filha Lili, da zona de conforto, sacodem elas e mostram que sim, o tempo todo havia opção. Míriam, véi, é minha personagem favorita desde que a vi! Inigualável, teimosa, com energia absurda direcionada às metas que estabeleceu, incansável até o fim, e repleta de fé e convicção de que o Destino não tem poder sobre ninguém. Pra mim Míriam é a Lua desse livro. É essa bola de luz em meio a escuridão do comodismo, da dor, da depressão. Juntou a família, fez todo mundo se comprometer em trazer Roxanna de volta à superfície, realizou uma força tarefa por onde passava, abrindo caminhos como uma verdadeira general onde os "nãos" e os medos não são páreos pra uma mente objetiva que sempre enxerga soluções.
Um livro lindo, com personagens femininas reais. Emocionante e inesquecível.