Danilo sm 16/05/2021
Escuridão, a mão direita da luz; dois são um!
Às vezes é bom ler algo diferente, no caso ler outras obras, outros autores, mas eu não sabia que em um mesmo gênero literário poderia encontrar pérolas tão distintas. A própria Ursula K. Le Guin afirma que o trabalho do escritor é traduzir em palavras o que não pode ser dito em palavras. E a ficção científica é um dos meios mais complexos, únicos, pois sua função não é prever o futuro, mas trazer temas do "agora" os jogar ou em um futuro distante, ou em outro planeta. Nesse sentido surge A Mão Esquerda da Escuridão. O qual é considerado um dos "clássicos".
A narrativa é contada através de um relato diário do Enviado Genly Ai, da união de planetas Ekumen, mesclando com outros textos sobre a cultura do planeta Gethen/ Inverno, entre outros. Tem um ar de alta fantasia, com vários nomes novos, intrigas políticas e sua construção de universo. Já o detalhe mais intrigante, o mais comentado nesse livro é sobre gênero e sexo, já que os habitantes do planeta não tem um gênero definido, não são homens, não são mulheres, são homens-mulheres e nada ao mesmo tempo. Na maior parte desse tempo.
Confuso, não é? Essa é uma palavra que define os primeiros 50% do livro, até mais. É uma das grandes dificuldades da leitura. Le Guin só nos joga lá dentro como se já soubéssemos como é a vida lá. E coube a mim montar um quebra-cabeça bem difícil. A escrita é lenta, o desenvolvimento igualmente. A história não possui tanta urgência, é pacífica e toma o tempo que precisar. E isso toma tempo, várias descrições e divagações, ao mesmo tempo sensorial, poética, meio exotérica... Isso me foi atrativo. É uma obra muito boa, desde que você invista seu tempo nela, e tenha paciência. Após isso, Ursula fornece várias discussões, desde a fundamental dualidade de gênero, solidão, até patriotismo... Se não funcionou dessa vez com você, não foi o momento. Nem eu pude entendê-la em sua totalidade. Creio que uma futura releitura pode engrandecê-la.
Essa pode ser uma daquelas obras que mudam quem a consome. Ela tem esse toque transformador.
Se me deixou diferente, não consigo definir como. A própria autora sugere que nós não sabemos quais mudanças ocorreram, nem como, mas que aconteceu. Assim, podemos levar para a vida o que quer que absorvemos.
***ESSA PARTE PODE TER SPOILER***
Uma observação:
A autora, por escolha, se referiu aos gethenianos como "Eles", por uma questão de que o pronome não é tão determinante quanto "Elas", além de que várias vezes os nomeia "Homens"- o que faz um pouco de sentido na visão de Genly Ai, só na visão dele. No entanto, ela mantém o livro inteiro assim, nessa caracterização, o que não faz tanto sentido para denominar seres com ambos os sexos, e nenhum ao mesmo tempo. Bem... Sobre esse assunto a autora acatou algumas críticas e comentou que, pensando bem, seria bom se tivesse feito de outra forma. Mas essa escolha, apesar de confundir um pouco em caracterizar as personagens, não diminui a obra! Pelo contrário, acrescenta mais tópicos para debate.