@apilhadathay 07/02/2011
PARA SE RELER VÁRIAS VEZES!
"Um monte de por quês e nenhum porque."
Eu o li em duas noites e reli-o em um dia.
Chantilly é um suspense leve, gostoso, que não deixa de ser divertido e que tem um toque de romance na medida certa. Apreciamos, durante a leitura, a forma limpa e direta com que Mare narra os acontecimentos: o texto é impecável, muito bem escrito, a narração transcorre com a maior naturalidade e eu encontrei apenas uma ou duas palavras que colocaria de outra forma.
Bem ao estilo Agatha Christie, o livro nos mostra Catherine, Ethan, Leon e Anabelle envolvidos – cada um de uma forma – na investigação do seguinte mistério: porque a população de Chantilly, que fica 40 km ao norte de Paris, está perdendo as memórias e morrendo?
Será algum tipo de evento espiritual ou de comoção coletiva?
Será uma espécie de experimento secreto e bizarro de que ninguém foi avisado?
Será que, em algum ponto da história, já se previa que este evento aconteceria ali, não importa quem estivesse habitando a cidade, quando ocorresse?
Será que aquilo não está realmente acontecendo?
O livro é aberto pelos belíssimos versos de Luíz Cézar Marinho – e eu não poderia deixar de citar aqui os que me chamaram a atenção, mesmo porque tem muito a ver com o que captei da história:
"A vida não é feita de momentos, pois momentos vêm e vão.
A vida é feita de sequência, e cada ato vai ter uma reação." (p.7)
Conhecendo melhor os personagens...
CATHERINE, A DONA DO DIÁRIO
Somos apresentados ao problema que invadiu a cidade francesa de Chantilly por anotações no diário de Catherine Aragon, que fora abandonada pelo marido, supostamente por ser estéril. Imagino se sua condição não tem a ver com aquele mal coletivo do esquecimento - que fazia amigos, vizinhos e até parentes se esbarrarem na rua e não se reconhecerem?
Lendo a sinopse, você imagina que Catherine é a protagonista dessa história, mas não é. Ela registrou em um diário todas as memórias que pôde, quando percebeu que também começava a perdê-las. Um trecho que achei fantástico:
"O fato, leitor, é que olho pela janela e vejo ruas devastadas. A cidade inteira está assim, temo que futuramente a França deixe de existir. Não entendo o que poderá acontecer, gostaria que descobrissem a solução depressa. Gostaria que tivesse volta, gostaria que (...)
Eu não me lembro mais." (p.13)
Ela chegou a procurar ajuda do governo, mas eles desconversaram. Estariam envolvidos, diretamente o indiretamente? Como se não bastasse, as pessoas começaram a morrer e a cidade de Avilly também estava sendo afetada. Em determinada etapa, a bondosa Catherine percebeu que começava a lembrar de fatos através de sonhos.
ETHAN, O CERTINHO
Só dez anos depois (2030), quando Chantilly já se transformara numa cidade do crime, o diário de Catherine foi encontrado por um cientista e historiador inglês chamado Ethan Stuart. Foi aí que, estudando o caso, ele iniciou uma pretensiosa troca de cartas com a francesa e decidiu encontrá-la pessoalmente. A ideia de encontro cara a cara não foi bem recebida pela mulher porque o mal de Chantilly teria deixado nela uma marca física. Claro que isto só deixou o cientista mais curioso e ansioso por vê-la. Logo descobrimos de que se tratava e é realmente estranho.
Ethan é muito centrado, não perde o controle da situação. Todo arrumado, de jaleco, cabelo repartido e óculos de fundo de garrafa – do tipo que, segundo o espirituoso Leon, "não faz o tipo de ninguém e foi nerd na infância, apenas preocupado em estudar e decorar fórmulas de matemática". O cientista era um homem mais reservado desde a morte de sua esposa, que partiu desse mundo logo depois de encontrar o diário de Catherine, deixá-lo com o marido e começar a investigar o caso Chantilly.
LEON, EL MISERABLE
Quando começou a publicar seus artigos sobre o caso, Ethan recebeu uma carta de Leon Saiter, que tomara conhecimento da pesquisa e podia ter informações, como ex-morador da cidade francesa. Ele mora atualmente em Madri e tinha quatorze anos quando deixou Chantilly para viver com uma família colombiana.
Ethan até compreendeu o que deixou o rapaz daquele jeito - Leon contou sua triste história, desde que fora entregue aos sul-americanos. Imagine sua mãe olhar para você e não reconhecê-lo, ou ouvir seu pai pela última vez tendo um infarto pelo telefone...
Leon é o meu personagem preferido na trama. É todo largadão, maltratado e com maus modos; adora ler e beber algumas de vez em quando, mas não é fã de TV e tecnologias. Ele é apaixonante, divertido, mostra a que veio na lata, não fica fazendo rodeios. Também não é o cara mais sutil ou sensível desse mundo, mergulha em whisky barato e faz amizade com os donos de botecos para sair sem pagar a conta.
"Você parece ter uns sessenta anos!" (p. 71)
Como o jovem de 24 anos pode ter mais informações sobre a época em que o mal se alastrou na cidadezinha, Leon viaja a Paris, a convite de Ethan, para se hospedar no mesmo hotel que ele, com todas as despesas pagas, enquanto estudam o caso juntos. Leon é um sujeito bonito, a seu modo, e com síndrome de apelidos de Sawyer. Os diálogos com ele são sempre engraçados e é inevitável associá-lo a Johnny Depp, uma vez que você tem a ideia.
ANABELLE, UM ENIGMA
- Leon Saiter, é um grande prazer. O que faz uma moça tão bem apessoada sozinha num lugar como esse? Bebendo para esquecer? – o interesse na mulher aumentava a cada instante, precisava recolher o máximo de informações possíveis sobre ela.
- Não. Eu bebo para lembrar. (p.43)
Ruiva, cabelos ondulados, corpo escultural e com os olhos vazios fixos em Leon – naturalmente, o peixe caiu na rede. O lema dela é Por que não? e não contou conversa antes de dormir com o jovem, no dia em que se conhecerem: Belle virou a vida do rapaz de ponta a cabeça, desde que pôs o primeiro pezinho francês nela.
"O dia amanheceu à tarde para Leon." (p. 46)
E, na verdade, acabamos descobrindo que ela não é quem diz ser. É uma estrategista, de topete, que está sempre do próprio lado – e do lado que está ganhando; é imediatista e sutil quando é conveniente. Em todo caso, parecia estar realmente afeiçoando-se a Leon. E sua vida dupla tripla muito me lembra uma mistura de Elza com Naomi (Lost), the Economist girls.
O CASO CHANTILLY
A investigação se volta para um possível encontro de Ethan com um amigo geneticista, chamado Johann, só que o cientista e Leon têm uma grande surpresa, quando chegam à casa do cidadão, e, com três simples palavras, percebem que continuar aquela busca por respostas pode ser mais que cansativo... pode ser fatal.
"Ethan, fique longe." (p. 62)
Não apenas as pessoas acometidas pelo misterioso mal estavam partindo desta para uma melhor, mas qualquer um que ousasse chegar perto da verdade sobre o caso. O que estaria acontecendo ali? Cientistas fugiam de Ethan para não se envolverem e ele mesmo acabou provando um pouquinho da peçonha contida no mistério. Aliás, Anabelle também não ficou sem sua fatia do bolo, e acabou descobrindo da pior forma que sua posição não lhe oferecia tanta segurança quanto imaginava.
"Muito cuidado. Afinal, mortos não falam..." (p. 93)
Eu teria caído dura ali, mesmo!
Aí vem o maior dilema de sua vida: ficar presa no mal que reconhece ou jogar-se pelo bem que mal conhece? Não importa a escolha que ela fizesse, alguém se machucaria. Mas uma coisa, preciso reconhecer: adorei a forma que o chefe de Louise adotou para se aproximar de seus funcionários, porque foi muito inteligente.
Vimos durante o início dessa jornada como a gente, às vezes, precisa se aliar a uma pessoa que deveria e/ou queria evitar. E aí, entra uma pitada da genialidade de Michael Scolfield:
- Como saberei que não vai me trair?
- Não saberá, mas o que você tem a perder? (p. 109)
Louise tenta voltar atrás em sua decisão, mas não percebe que confiança é um jarro de cristal: uma vez quebrado, mesmo com todos os pedaços colados no lugar certo, ainda será um jarro formado de cacos. Ela foi esperta, mas ingênua, e isto tem uma consequência.
"Sentei-me em minha velha cadeira do escritório. Não tinha recomendações, apenas fui aceita novamente (...) Nunca estive num labirinto mental tão grande." (p.118)
Enquanto isso, mesmo enchendo a cara em espeluncas para tentar fugir do problema por algum tempo, Leon também não escapou da sua cota; admirei, no entanto, a decisão que tomou, e não pude deixar de pensar que foi um tremendo salto de fé.
"Precisava confiar na mulher que me traiu." (p. 120)
Ninguém confiou em seu potencial, mas defendo que as pessoas subestimadas são aquelas que oferecem mais perigo, são as que detêm o verdadeiro poder em suas mãos, simplesmente porque você nunca espera que elas ataquem. E o último capítulo teve, a meus olhos, um toque do humanismo tão característico de Victor Hugo.
"Agora entendo o motivo porque ninguém me leva a sério. Sou um fiasco. (...) Retornei para a velha espelunca. Ainda devo uns dois aluguéis e nem sei se terei condições de pagar." (p. 138)
Encontrei em Chantilly, algo que me apaixona nos livros do meu autor e humanista favorito: o reconhecimento da frágil condição humana e de que todos os caminhos nos levam de volta para casa, para o ponto de partida. Não importa quantas voltas você faça, quantas pessoas encontre, em quanto lugares fique: o final estava ali desde o começo e ninguém muda a sua natureza.
"Eu tento largar a vida, mas ela não me larga." (p. 139)
PALAVRAS NOVAS...
Pernóstica = afetado, pretensioso
Velada =oculta, disfarçada
RECADO FINAL...
L-E-I-A & R-E-L-E-I-A!!