Gabalis 08/01/2022
Fantástico embuçado pelo ladrar de uns cães
Escrito pelo mortaguense Branquinho da Fonseca e publicado pela primeira vez em 1952, O Barão é considerado por um bom número de estudiosos da literatura como um clássico da novelística em língua portuguesa. Como é possível ler a coisa toda numa sentada, que, aliás, de tão breve é por alguns considerado conto e não novela, resolvi passá-la na frente de tudo, e na mesma tarde comecei e terminei o texto.
O Barão é uma confluência muito curiosa entre o gótico e o bizarro, trazidos à tona pela voz narrativa de um aprazível e solitário inspetor escolar, obrigado a viajar à trabalho, (mas ele não gosta, não gosta mesmo de viajar) sua vida tem um caráter inconstante e servil. Tudo o que ele gostaria é de acordar sempre no mesmo quarto, abraçar a monotonia da imobilidade enquanto fuma um cigarro. Numa destas inspeções ele acaba viajando para uma vila apagada, que sequer tem uma pousada decente onde ele possa ficar. Por acaso um homem ilustre do local, um barão, o convida para passar a noite em seu casarão, construído sobre um solar.
A novela tem um desenvolvimento crescente muito cativante. Pouco a pouco vamos conhecendo esse barão. Ele parecerá incomum num primeiro momento: “uma figura que intimava, com pouco mais de quarenta anos, tinha um aspecto brutal, os gestos lentos, como se tudo parasse à sua volta”. Durante a janta que não vem nunca, ele começa a revelar ser um indivíduo realmente curioso: "Era um senhor medieval, vivendo à sua época, completamente inadaptado, como um animal de outro clima”, e adiante, quanto mais avança a noite, avança mais o barão em sua natureza extraordinária, e tudo a sua volta acompanha aquele caráter anormal, ao ponto da sua própria humanidade tornar-se suspeita.
Durante um passeio noturno, o inspetor e o barão falam sobre amores perdidos enquanto o fantástico acontece contidamente, embuçado pelo ladrar de cães, o colher de flores, gente que não se vê do outro lado do muro do castelo, e uma estrada branca que parece conectar alguns mundos estranhos, e que não se pode atravessar facilmente, a não ser que você esteja montado no burro de um moleiro.
Gostei muito da novela e gostei muito de como a escreveu Branquinho da Fonseca. Gostei tanto quanto gostei da Metamorfose do Kafka. Com certeza pretendo ler outros contos que ele assina. O único problema é a dificuldade de achar suas obras, particularmente se você não estiver disposto a importar livros.