jackguedes 04/01/2011
Uma catástrofe humana
Às vezes penso que chegamos ao fim ou muito perto dele; nós humanos recebemos o que merecemos e não me refiro apenas ao clima ou ao meio ambiente. O pensamento de que o fim é inevitável me é confortável de certa forma. Entretanto, meu lado mais obscuro este sim, o mais otimista às vezes dá as caras para fazer o deixa disso: ainda dá tempo de mudar e precisamos fazer algo para evitar o fim.
Isso tem acontecido com muita frequência ultimamente, tenho estado otimista, mesmo com uma série de conjunturas depondo contra.
O que explica então o fato de eu ter lido um livro chamado Solar que trata, quase diretamente, do assunto? Ian McEwan explica. O autor realmente participou de uma expedição ao Ártico que serviu de base para esse último livro, lançado agora no país, pouco depois de sua publicação no Reino Unido (muito bem editado e traduzido, diga-se). Seu envolvimento com o universo científico foi enorme e conforme já foi dito, McEwan fala de física como um físico, de forma muito acurada como um conhecedor do assunto.
Mas esse é só um detalhe. O grande pulo do gato de Solar é ser uma comédia. McEwan foi genial em determinar um tom humorístico ao romance, afinal, quem aguentaria um livro sério sobre um tema sério como o aquecimento global? Não eu.
Dessa forma temos Michael Beard, o cientista ganhador do Prêmio Nobel no final da década de 60 que desde então não tem feito nada de significativo a não ser arruinar cinco casamentos e colecionar um sem número de amantes (isso até o primeiro capítulo). Beard é certamente o maior anti-herói criado pelo autor inglês, o mais canalha, o mais detestável, ainda assim o protagonista que em determinado momento da trama vai ganhar a simpatia do leitor.
Beard é diferente, por exemplo, da virginal Florence Ponting, uma das protagonistas de Na Praia, romance anterior de McEwan. Em nenhum momento a personagem, que desempenha um papel importante para a intensificação do clima denso dessa breve novela, capta a simpatia do leitor. Já Beard, mesmo digno de pena, é uma perfeita representação do homem neste início de século; se não existe identificação leitor-protagonista pelo menos também não há estranhamento.
É interessante notar que o autor vem intercalando romances atuais com outros ditos de época: Reparação (2001), cuja trama se passa no período entre guerras, foi seguido por Sábado (2006), cujo enredo aborda a Guerra do Iraque, em meados de 2003. Na Praia, livro de 2007, se passa no começo da década de 1960 e Solar, que não poderia ser mais atual, tem seu enredo divido entre 2001, 2005 e 2009, ano de seu lançamento.
Durante os nove anos que abrangem a narrativa de Solar, Michael Beard vai se comprovar o anti-herói apresentado na primeira página, sem dar chance a reparações; vai empreender uma jornada por uma espiral descendente com algumas poucas pausas para um alívio cômico; Beard vai galopar para a própria ruína. Tudo isso enquanto tenta salvar o mundo do aquecimento global (e também sua carreira do esquecimento) de uma forma bastante oportunista.
Mas que não se engane quem acha que essa trama pode reservar alguma semelhança com a de Reparação. As possíveis comparações se restringem unicamente à estrutura narrativa, à forma como uma ou mais ações impensadas trazem consequências imprevisíveis futuramente. Mas o que era elegante e dramático em Reparação, é tragicômico e quase vulgar em Solar. Essas qualidades são meramente reflexos dos personagens.
Solar (novamente) comprova a hábil versatilidade de McEwan em compor com perfeição tramas e personagens que, analisados mais a fundo, são pequenas alegorias do comportamento humano.
http://jackguedes.wordpress.com/