Janaina Vieira - Escritora 02/05/2011Tudo que sei... é que nada sei! Será???Ao terminar a leitura de um livro, não se pode ficar no meio termo. Ou a gente gosta, ou não gosta do que leu. Bem, por um lado, posso dizer que gostei do ritmo da narrativa. Apesar de longo, o livro prende a atenção, causa curiosidade e sustos nos momentos certos. Porém, paralelamente, tenho várias ressalvas ao conteúdo. Vou listar primeiro o que o livro tem de bom, na minha opinião (esta resenha contém spoilers).
- Desde a primeira página somos capturados pela trama do anjo renegado, Ablon. Como herói de origem divina ele se sai muito bem, do início ao fim. E o fato de viver na terra por tanto tempo após ser expulso do Paraíso e justamente por causa disso agir diversas vezes muito mais como um ser humano do que como um ser divino, é muito interessante e abre espaço para várias conjecturas.
- A ligação dele com Shamira também é muito interessante e envolvente, principalmente devido à construção de um amor baseado em experiências e vivências comuns a ambos, e que não os separam de modo algum, embora ele seja um anjo e ela um ser humano. Torci por eles o tempo todo, apesar da relação entre eles ficar no patamar do amor platônico! Gostaria que houvesse um pouco mais de romantismo, mas aidna assim gostei da história deles.
- A cisão entre os seres celestiais — anjos, arcanjos, querubins e etc — também abre espaço para muitas reflexões interessantes, inclusive sobre o que significa realmente estar na terra e estar no céu. Até que ponto as diferenças entre as duas naturezas as separam realmente, visto ambas possuírem grandezas e fraquezas? Tais diferenças são muito marcantes enquanto lemos o que o é céu, o que é a terra e o que é o inferno. Pontos interessantes em que pensar...
- O passado em contraponto com o presente torna a narrativa bastante rica, até porque o autor é detalhista e acerta a mão em tudo que narra e descreve sob esse ponto de vista. A pesquisa deve ter sido extensa, principalmente nas descrições de incontáveis cidades e localidades ao redor do mundo.
- A passagem na Babilônia, quando é contada a história da Torre de Babel e do rei Nimrod, é um dos melhores momentos do livro, a meu ver. Aliás, tomei um grande susto ao descobrir de que modo Nimrod conseguia ser realmente quase indestrutível... Misericórdia! rs
- A narrativa sobre os mundos paralelos, sobre o tecido que separa os mundos, sobre os diferentes reinos que se sobrepõem um ao outro no plano astral é muito envolvente e nos leva a imaginar tudo isso com a maior facilidade, quase como se estivéssemos visualizando tudo.
- A batalha que dá título à obra acontece, mas depois da batalha propriamente dita, bem no final da história, Ablon encontra um caminho que se revela como uma solução para os muitos problemas em que todos estão mergulhados até a raiz dos cabelos. Gostei disso, até porque faz muito sentido com relação a tudo que o livro aborda.
- O ritmo da narrativa é realmente eletrizante, reservando quase que um susto a cada página. Ou seja, não sosseguei enquanto não terminei a leitura. Como narrativa de aventura e fantasia, o livro cumpre perfeitamente o seu papel.
Porém, não gostei de:
- A parte final do livro, quando a batalha finalmente tem início e quando são revelados os segredos ocultos na terra e no céu, é completamente surreal. Por mais que eu tenha consciência de que o livro é um romance, uma fantasia, uma releitura de fatos históricos e bíblicos e não um tratado de teologia, não posso aceitar o modo como são caracterizados o arcanjo Miguel e vários outros celestiais. Não dá! É surreal demais! Porque o arcanjo Miguel do livro é praticamente um psicopata! Ou seja, baseando-se na lógica da narrativa, como e por que Deus, ao adormecer, entregou toda a sua criação nas mãos dele? Não sabia qual era a sua real natureza? Então, fazer isso com a figura de São Miguel Arcanjo é, para mim, o mesmo que descrever a Virgem de Fátima fazendo um ensaio fotográfico para a Playboy. Não dá!
- Também a teoria romanesca, por assim dizer, de que existem seres celestiais tão ou mais perversos do que os demônios, não dá para ler como se fosse algo do tipo X-Men.
- A questão do livre-arbítrio, dádiva que Deus concedeu aos homens e não aos anjos... Seguindo a lógica do romance, essa teoria é aclamada o tempo todo, mas é também negada o tempo todo porque todos os personagens fazem escolhas ao longo do romance, sejam divinos ou humanos! Então, onde reside a diferença??? Não entendi.
- Em determinado momento, Ablon encontra-se com uma deusa celta chamada no livro de “Korrigan”, quando na verdade a deusa celta correspondente chama-se “Morrigan”. Ora, por que não usar o nome correto, já que essa deusa era realmente cultuada entre os antigos celtas? Depois de toda a péssima caracterização do arcanjo Miguel e de tantos outros dando-lhes os devidos e verdadeiros nomes pelos quais são conhecidos, citar o nome correto da deusa seria o mínimo — pelo menos como informação cultural, creio eu, já que tantas informações sobre magia, feitiçaria e paganismo são citadas o tempo todo.
- Ainda a respeito da deusa: no começo do livro, fica claro para o leitor que o culto de todos os deuses foi eliminado nas chamadas “guerras etéreas”, nos primórdios da Criação. Então, o que faz a deusa, surgindo diante de Ablon em pelo século XXI? Ela escapou do extermínio? Como? Por quê?
- Quanto ao inferno e todos os seres que lá habitam, governados por Lúcifer: alguns que moram lá talvez não devessem estar lá, como é o caso de Orion e de Amael. Aliás, falando de Amael: o que ele está fazendo ali, coitado???
- Sobre Apollyon: ele é muito, mas muito e muito pior do que Lúcifer. Como não o destronou? Porque ele sim, Apollyon, é o verdadeiro Demônio nº 1 da história!
- Por fim: a explicação a respeito do sétimo dia, quando Deus finalmente deverá acordar de seu descanso após a criação do mundo... é tão bizarra, mas tão bizarra, tão completamente bizarra que me senti rodando 360º, como no filme “Matrix”, de verdade!
Em resumo, penso que mexer com questões religiosas pode ser muito perigoso. Por causa de religião, existem homens-bomba matando e morrendo aos montes no Oriente Médio! Então, caracterizar anjos, arcanjos, querubins, serafins, ofanins e etc do modo como são caracterizados no romance, certamente deixa um profundo mal-estar em vários trechos e principalmente no terço final da obra, porque os atos alucinados de vários deles — principalmente do arcanjo Miguel (no livro) — são uma grande decepção, sob vários pontos de vista. No inconsciente coletivo de todos os cristãos e das pessoas em geral, anjos são sagrados, são perfeitos, são “do bem” e jamais “do mal”. O único que caiu, já não é mais um ser celestial (há muito tempo) e está no inferno. Esses limites são muito bem demarcados no inconsciente das pessoas. Claro que tudo isso pode ser questionado e repensado, mas de modo sutil e não da forma grosseira como mostra a narrativa em vários momentos. Penso que, no livro, tal “questionamento” chegou a extremos completamente desnecessários! Porque a narrativa da batalha, que dá título ao romance, foi uma decepção, devo confessar. Durante toda a leitura aguardamos ansiosamente pela batalha... que fica muito aquém de tudo que imaginamos. Para mim, não pode haver “anjos perversos” que se unem aos seres infernais para derrotar o bem! E todos eles orquestrados por um louco, psicopata, completamente cruel e totalmente impiedoso: assim é retratado o arcanjo Miguel, que em momento algum tem um único gesto de bondade, nem nada perto disso. E a tal ponto ele é malvado, frio, calculista e “diabólico”, que nos leva a pensar que o Deus do livro não deve ser melhor do que ele porque mostra-se um total inconsequente, preguiçoso e irresponsável. Criou o mundo, largou tudo para trás, entregou o universo nas mãos de um louco e foi à luta, porém mantendo-se famoso até os dias de hoje! Falsidade ideológica total! Lamentavelmente, o final da história insiste em não redimir ninguém. Nem Deus sai ileso dessa... Na verdade, os únicos poupados são Cristo e o arcanjo Rafael. Eles, sim, devem estar no verdadeiro Paraíso!
Então, creio que este livro não será apreciado por cristãos em geral, sejam católicos, evangélicos, ortodoxos... Muito menos pelos fervorosos! Mais até do que “bagunçar” os dogmas bíblicos e os do Cristianismo, para mim o pior foi a falta de substância religiosa em um livro que utiliza fatos bíblicos para existir. Neste contexto, palmas para “O Código Da Vinci” que, este sim, apesar de toda a polêmica que levantou, apesar da cara feia do Vaticano, foi extremamente coerente — e respeitoso — com relação à teoria que formulou a respeito da linhagem real de Cristo.