osaif 13/02/2024
Um clássico existencialmente idiota.
Depois de longo 1 mês e meio consegui concluir a leitura de um livro que não é tão fácil e definitivamente exige paciência e esforço de qualquer leitor (principalmente para não russos ou não falantes da língua). É preciso se acostumar com inúmeras frases não traduzidas e nomes que possuem mais consoantes que vogais, sem contar que esses mesmos nomes, possuem cada um, no mínimo 2 apelidos diferentes (se você for meio perdido, não se esqueça de ir anotando quem é quem durante a leitura!).
"O idiota" é o apelido empregado ao protagonista: Príncipe Michkín, que é ridicularizado pela sua demasiada inocência e ingenuidade perante uma sociedade de certa maneira "corrompida". Sempre acreditando na honestidade dos outros, Michkín nunca desconfia de ninguém, levando tudo ao pé da letra e por muitas vezes acaba sendo influenciado pelos outros. Contudo, essa visão simplista e superficial do personagem algumas vezes é desconstruída por outras pessoas que buscam se conectar verdadeiramente com o Príncipe, entender suas motivações e seus valores. Por conseguinte, o leitor é exposto a reflexões profundas, complexas e escritas de maneira extraordinária! Sendo esse, defintivamente o ápice do livro inteiro, vezes essas em que eu devorei o livro, lendo sem ver a hora passar.
Porém, nem tudo são análises existênciais e amorosas. Mais que isso, é possivel ter um conhecimento amplo do contexto geopolítico da russia do século XIX, sua posição econômica, seus ideais coletivos e a visão da aristocracia da região, claramente uma aula de história nas entrelinhas.
Só para reforçar, é realmente impressionante a perfeição das reflexões, diálogos e monólogos desse romance. É perceptível o esforço do escritor em realmente trazer um debate à tona; quebrando a inevitável monotonia com esses trechos cheios de emoção.
Ademais, o livro reflete muito o Dostoievski como pessoa. Tendo sido escrito em um momento muito pertubado: enquanto rondava pela Europa, viciado em jogos de azar, escrevendo um livro de 600 páginas, presenciando a morte prematura de sua filha e vendo o tempo escorrer em suas mãos. Além de um recorte específico de sua vida, é possivel notar sua personalidade como um todo em diversos pontos de "O Idiota": crises de epilepsia e até mesmo relatos de sentenças de morte. Sendo o monólogo do Príncipe a respeito de decapitação em praça pública, o meu momento favorito.
Subir no cadafalso sabendo do seu destino, vendo seus ultimos minutos de vida; como disse Michkín, aqueles segundos são transformados em uma vida inteira, em uma eternidade. É uma sensação inexplicável ler aquilo sabendo que o Dostoievski literalmente passou por isso, tendo sua execução anulada instantes antes e tendo que passar por uma "simulação" de tal acontecimento.
Além do mais, é possível notar muitas
das crenças do Fyodor como psicólogo e filósofo existencialista. É essa inclusive, a origem da famosa sentença "A beleza salvará o mundo", Michkín é a personificacão disso, admirando absolutamente tudo ao seu redor. Não só, igualmente em "crime e castigo" e "memórias do subsolo" há a "teoria" de homens elevados, que por consequência de sua inteligência e vaidade, são sujeitos a sofrimentos mais árduos que os outros.
Por fim, existem inúmeros trechos lindos, que possuem uma escrita realmente bela. Nas partes 3 e 4 eu rabisquei o livro todinho de marca texto, algo completamente inevitavel diante de textos tão únicos a respeito da existência e dos sentimentos humanos (spoiler: e o casamento que por muito foi o foco do enredo, no fim acaba com um assassinato, em que o Dostoievski literalmente põe suas armas na mesa e finaliza da maneira mais imprevisível possível).
Definitivamente recomendo para todos os leitores com paciência suficiente para se deixar levar pela história :)
Certamente não é minha obra favorita do autor, porém, é uma experiência única em que com certeza você não será a mesma pessoa após essas longas 600 páginas.