Alessandro 14/10/2010
Capote
Não obstante a vaidade extrema em se considerar um escritor melhor do que na verdade era, e também não considerando a vida enlouquecida que tinha (e tão distante do estereótipo de recluso e avesso a festividades que os escritores normalmente apresentam), uma coisa admiro em Truman Capote. A obstinação literária que sempre cerceou seu trabalho: um cuidado absoluto na composição de suas obras, um respeito pela matéria literária e um domínio quase clínico da mesma. Lógico, que por vezes se tem uma percepção mais clara do que seria ideal sobre esta sua obstinação literária – em alguns momentos a técnica é tamanha e o cuidado tão extremo que um quê de frieza perpassa seu texto. Quando se lê algumas de suas memórias, é possível saber que o autor procurava aprender como lidar com perfeição com todos os gêneros literários. Desde a juventude, Capote se entregava diariamente ao aprendizado do conto, da crônica, da poesia, do romance. Mas foi em um gênero denominado por ele como " div moral).
Mas não é preciso ser um gênio para concluir que a não-ficção sempre foi o terreno mais seguro do autor. Longe da afetação de "Bonequinha de Luxo", boa parte do trabalho de Capote como jornalista está neste "Os Cães Ladram". Nesta compilação de vários textos, desde o início o autor confidencia "tudo o que consta aqui é factual, o que não significa que seja verdade".
Em "Os cães ladram", há uma reunião de pequenas obras de não-ficção escritas entre as décadas de 40 e 70: ensaios, perfis de personalidades como Louis Armstrong, Humphrey Bogart e Marilyn Monroe, observações sobre cidades diversas, feitas para as revistas The New Yorker, Esquire, Vogue e Mademoiselle. Desde relatos sobre New Orleans na década de 20, seus autores preferidos, do primeiro emprego na The New Yorker, o autor vai desfiando pequenas memórias. Um prato cheio para quem gosta de saber mais sobre os anos iniciais de seus autores favoritos. Algumas considerações são feitas sobre a dificuldade e a insatisfação com seu primeiro livro "Summer Crossing", que acabou de sair pela Alfaguara aqui no Brasil, como "Travessia de Verão", bem como seu segundo livro e sucesso "Other Voices, Other Rooms", que lhe rendeu o prêmio O. Henry quando tinha apenas 23 anos e trazia uma insinuante fotografia sua na contracapa.
As viagens ao redor do mundo, a vida de excesso entre festas na alta sociedade também estão presentes neste livro, é claro. Mas entre os perfis, o destaque realmente vai para "O duque em seus domínios", uma precisa (e, certamente que, por vezes, maldosa) dissecação do astro Marlon Brando. Feito durante a estadia de Brando no Japão, em 1956, onde rodava "Sayonara". Para a realização deste perfil, Capote foi ouvinte atento de um falante e sentimental Brando. O objetivo do autor com a realização de um perfil tão elaborado e detalhado, repleto de minúcias de observações, era provar que mesmo o "degrau mais baixo da atividade jornalística" que seriam as entrevistas com estrelas de cinema, poderia ser uma obra de reportagem tão elaborada e excitante como qualquer modalidade de prosa – ensaio, conto, novela. Definitivamente, isto é atingido em "O duque em seus domínios" que, segundo Capote, é resultado único da sua memorização das longas conversas (talvez o termo monólogo seja mais apropriado, uma vez Brando falava praticamente sozinho, crente de que as pessoas ansiavam ouvir suas palavras e quase sempre não tinham nada de interessante para dizer) tidas com Marlon Brando principalmente no hotel onde o astro se hospedara. O excesso de detalhes descritos sobre Brando neste perfil fez, inclusive, com que o ator se sentisse "traído" pelo escritor não pela erroneidade das informações ou por distorções em suas declarações. Mas sim pelo excesso e pelas minúcias delas. Ele acreditava que quando abria o seu coração para falar suas opiniões sobre o cinema, teatro e até sobre James Dean, o que ele considerava mais "íntimo" permaneceria somente entre ele e Capote. Vão engano. Sobre a técnica de Capote na obtenção de informações há de se dar um destaque: o escritor considerava que tomar notas ou mesmo (e principalmente), o uso deu um gravador durante uma entrevista, gera interferências e distorce ou destrói qualquer naturalidade que possa existir entre o observador e o observado. Daí, a técnica que teria desenvolvido, capaz de guardar com fidelidade (segundo ele) próxima a 100%, tudo o que seus entrevistados lhe confidenciavam – peculiaridade com a qual o autor se envaidece em uma cena do premiado longa-metragem "Capote".