priscilabonatto 24/07/2011
Como já comentei sobre ele na resenha do livro I, reservo esse espaço para transcrever um dos contos que me tocou bastante.
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FELICIDADE REPENTINA
por Maíra Viana
Era uma vez um amor. Entrou pela porta da frente, pedindo licença, vereneando a vida, serpeando o coração. Veio assim ligeirinho, serelepe, versador. Foi logo preenchendo os espaços, ocupando as gavetas do armário, evidenciando a alegria em ter, à mesa, mais um prato. Chegou e foi ficando, feito um sambinha bom desses que grudam no ouvido, sem pressa pra passar.
Parecia que todo dia era natal. A gente acordava e se surpreendia com o outro aki ao lado, como se Papai noel tivesse ns deixado um presente ao pé da cama. Algo que, no fundo, já nos era familiar, mas dos divertíamos em fingir certo estranhamento, como se pudéssemos prolongar a durabilidade do que aquilo significava. O bom velhinho nos presenteava, todas as manhãs, conosco. Era uma felicidade repentina, solfejava vivo em nós, o tal do amor.
Depois de algum tempo, nos cansamos dos panetones, espumantes, sorrisos. Desmontamos a grande árvo re natalina, nos despimos das roupas festivas, encaixotamos aquela alegria repetitiva, onipresente, gasta. Já não havia novidade em amanhecer, pois estávamos sempre lá, um para o outro, querendo ou não, na saúde e na doença, nos invadíamos a pondo de sabermos mais quem era quem. O amor violava todos os espaços, superlotava o armário do quarto, transbordava a pia em pilhas de pratos, persistia em arranhar no violão aquele seu sambinha chato.
E foi assim miudinho, sussurrante, desertor. Saiu pela fresta da janela da área de serviço, de mau jeito, trazendo chuva pra dentro de casa.
E era uma vez uma dor, entrando sem pedir licença, invernando a cida, serpenteando o coração. A gente acordava e se surpreendia sem o outro ali ao lado, como se o dia não tivesse permissão para começar, como se não tivesse valendo. Fechávamos novamnte os olhos, cochilávamos mais dez minutos, como se pudéssemos reverter a realidade do que aquilo significava. O bom velhinho nos negava, todas as manhãs, o sonho do natal.
Era uma agulha fina riscando a alma, a tal da dor. Chegou e foi fincando, feito um cachorrinho triste, desses que grudam no ouvido, sem pressa nenhuma de passar.