Camilla.Steban 29/05/2023
Um romance Bildungsroman inspirador e atemporal
"Eu queria que você visse o que é coragem de verdade, em vez de ter a ideia de que coragem é um homem com uma arma na mão. É quando você sabe que está derrotado antes mesmo de começar, mas mesmo assim começa e enfrenta tudo. Raramente se vence, mas às vezes se consegue." - Harper Lee, 'O Sol é Para Todos'
"O Sol é Para Todos" é um romance escrito pela autora americana Harper Lee, ambientado em uma pequena cidade do Alabama durante a década de 1930, época em que os Estados Unidos sofriam os efeitos da Grande Depressão e das leis de segregação racial conhecidas como Leis Jim Crow. Através da perspectiva infantil e travessa de Scout Finch, Harper Lee nos convida a refletir sobre a injustiça racial, a coragem moral, a empatia, os papéis de gênero e o processo de amadurecimento.
O romance conta a história da família Finch e da cidade em que vivem, Maycomb, e como foram profundamente impactados pelo julgamento de Tom Robinson, um homem negro acusado de estuprar uma mulher branca. O livro está dividido em duas partes: a primeira retrata o cotidiano na cidade alguns anos antes do julgamento, e a segunda apresenta o próprio julgamento e os desdobramentos subsequentes. Embora o conteúdo das duas partes possa parecer muito diferente à primeira vista, à medida que a leitura avança, é possível perceber como a autora costurou cuidadosamente essas partes, sendo cada uma essencial na construção de uma análise profunda de Maycomb County e das pessoas que lá vivem.
"Os passarinhos só servem para uma coisa: fazer música para nós desfrutarmos. Eles não destroem jardins, não constroem ninhos em celeiros de milho, eles só fazem uma coisa: cantar com todo o coração para nós. Por isso é pecado matar um passarinho." - Harper Lee, 'O Sol é Para Todos'
Antes mesmo de começar a leitura, apenas pelo título, alguém já poderia ter uma ideia da combinação de simplicidade e riqueza que é a escrita de Harper Lee. A autora utiliza o simbolismo do passarinho para expressar algo que é inocente e bom. Matar um passarinho seria destruir essa inocência, e por isso, cometer tal ato horrível seria um pecado. Ao longo do livro, é possível ver o assassinato de vários passarinhos, como Tom Robinson e Arthur Radley, ou até mesmo Scout.
Assim como "O Apanhador no Campo de Centeio" ou "A Amiga Genial", "O Sol é Para Todos" se enquadra na categoria de livros de Bildungsroman, um termo em alemão que significa "romance de formação". Esse gênero explora as experiências de crescimento e como elas nos transformam. Scout começa o livro como uma menina inocente e travessa, sem consciência dos problemas que a cercam. No entanto, com o julgamento de Tom Robinson, ela é obrigada a testemunhar a injustiça do mundo. De certa forma, ela também é um passarinho sendo morto. Ela não é mais uma criança inocente, agora consegue enxergar as imperfeições do mundo, mas, com a ajuda das pessoas boas ao seu redor, como Atticus, ela se mantém forte diante disso.
"Há algo em nosso mundo que faz os homens perderem a cabeça - eles não conseguiriam ser justos mesmo se tentassem. Nos tribunais, quando é a palavra de um homem branco contra a palavra de um homem negro, o homem branco sempre vence. É feio, mas esses são os fatos da vida."
Uma das coisas que afeta profundamente Scout e a faz enxergar o mundo feio ao seu redor é a presença do julgamento de Tom Robinson. Nesse ponto, é interessante analisar por que Harper Lee escolheu o personagem Scout para narrar essa história. Ela poderia ter escolhido Atticus, que certamente teria sido muito mais sábio e consciente da situação, ou até mesmo Tom Robinson, o principal sujeito do julgamento. No entanto, dizem que nos primeiros anos de nossa infância, somos como esponjas, absorvendo tudo o que recebemos e nos tornando produtos de nosso ambiente. De certa forma, Scout é Maycomb. Ela começa a história conhecendo todas as maneiras e preconceitos da cidade, mas, à medida que presencia o julgamento e vê o racismo em primeira mão, começa a repensar seus próprios conceitos preconcebidos. De forma paralela, a mesma transformação ocorre na cidade, após o julgamento eles não veem mais a comunidade negra da mesma maneira.
"Se você conseguir aprender um truque simples, Scout, se dará melhor com todos os tipos de pessoas. Você nunca realmente entende uma pessoa até considerar as coisas do ponto de vista dela - ' 'Senhor?' 'Até entrar em sua pele e caminhar com ela.'" - Harper Lee, 'O Sol é Para Todos'
Uma das principais lições do livro é essa sobre empatia que Atticus ensina a Scout. Sem ela, ela não seria capaz de entender completamente Tom Robinson, Boo Radley, a Sra. Dubose. Embora simples, o ensinamento é essencial naquele momento e ainda é atual. Barack Obama certa vez disse: "Vamos rejeitar o impulso de nos fecharmos para o sofrimento dos outros e, em vez disso, criar o hábito da empatia - de reconhecermos a nós mesmos nos outros e estendermos nossa compaixão aos necessitados." Atticus não é negro, ele não vive com a sombra do racismo sobre ele, mas é capaz de enxergar as coisas sob diferentes perspectivas, é capaz de se relacionar com elas e sentir compaixão, e, por fim, ele faz o melhor que pode para melhorar o que pode e ensinar aos outros a fazerem o mesmo que ele.
"Agora sei o que ele estava tentando fazer, mas Atticus era apenas um homem. É preciso uma mulher para fazer esse tipo de trabalho." - Harper Lee, 'O Sol é Para Todos'
Outro assunto que afeta profundamente o crescimento de Scout e sobre o qual somos constantemente convidados a refletir ao longo do livro é o papel das mulheres na sociedade. Scout é frequentemente descrita como uma garota que prefere atividades consideradas masculinas, ela quer usar macacões e brincar ao ar livre com seu irmão e amigo. Ela rejeita as ideias de feminilidade e, com o incentivo de suas duas modelos femininas, Calpúrnia e Sra. Maudie, ela busca um papel mais independente. Em contraste com Scout, temos Mayella Ewell, que não teve nenhum modelo feminino incentivando-a a buscar mais e acabou presa cuidando de uma família numerosa com pouco dinheiro e um pai alcoólatra que a agride. Mesmo com tudo isso, ela ainda cultiva flores no jardim, um sinal de que ela ainda tem alguma resiliência dentro de si.
"Eu queria que você visse o que é coragem de verdade, em vez de ter a ideia de que coragem é um homem com uma arma na mão. É quando você sabe que está derrotado antes mesmo de começar, mas mesmo assim começa e enfrenta tudo. Raramente se vence, mas às vezes se consegue." - Harper Lee, 'O Sol é Para Todos'
Por último, mas não menos importante, "O Sol é Para Todos" explora a essência da coragem moral, exemplificada no personagem de Atticus Finch. Ele defende Tom Robinson, não apenas como um amicus curiae, mas realmente o defende com toda a sua alma. Mesmo consciente do racismo em Maycomb e de que as chances de vitória são quase nulas, ele ainda enfrenta a situação de frente. A mensagem é extremamente poderosa e inspira aqueles que a leem a levantarem-se pelo que é certo, mesmo diante da adversidade.
No geral, "O Sol é Para Todos" é um livro que discute, através dos olhos inocentes de Scout, a essência do que era o Sul dos Estados Unidos durante a década de 1930. É uma análise profunda do racismo, dos papéis de gênero, da empatia e da coragem moral, que irá inspirá-lo a buscar justiça e defender o que é correto. E é isso que torna o livro tão essencial e atemporal.
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