Caio 23/02/2016
Construção metódica de palavras lindas
Esse livro é excelente! Começa de maneira calma, sem pretenções, com as crianças de Maycomb County brincando e convivendo com adultos do vilarejo em seu cotidiano. Logo a história passa a focar em um sujeito que é recluso ao interior de sua casa (Arthur Radley, conhecido como Boo Radley). Nesse ponto a autora coloca um paradoxo da sociedade norte-americana dos anos 1940: o homem livre que vive enclausurado pela própria sociedade que o repreende. A história continua, com atos de respeito e lições de ética de Atticus Finch para seus filhos Jean Louise (Scout) e Jem, até a chegada do caso de Tom Robinson. Até a metade do livro, o caso não é mencionado, porém, essa primeira metade irá criar base para toda a conclusão social, racial e ética da sociedade norte-americana em período do entre guerras. Acredito que a defesa de Atticus (advogado) para Tom (negro, acusado de estupro de uma menina branca, filha de um homem branco e pobre) seja o ponto alto da obra. O discurso de ódio, o racismo presente como a normalidade e status quo do momento são questionados de maneira direta. Esse livro deve ser lido pensando como se pensava tais questões na época. Somente assim se pode compreender todo o seu impacto. Cenas como a de Scout, na escola, ouvindo sua professora falar sobre um homem mau (Hitler), que estava maltratando judeus pela Europa são os pontos que me fizeram amar esse livro. Como uma professora que vive constantemente ignorando negros, pobres e não-cristãos em Maycomb pode questionar os atos de Hitler na Europa, questiona Scout. Harper Lee, além de expor o racismo inerente, e comum dos anos 1930-1940 no sul dos Estados Unidos (parte escravocrata do país), apresenta o discurso hipócrita de diversos personagens, pela visão de crianças. Esse é um livro indicado a todos, e se mantém muito atual no Brasil. Um país que pensa não possuir racismo, mas exclui pessoas de lojas, praças, parques e ruas apenas por causa da sua cor de pele, modo de se vestir e falar. O livro não é apenas sobre racismo (a pesar de que boa parte do livro se trata sobre isso), mas sim sobre preconceito e seus limites.