Alan Martins 29/12/2018
Borges surpreendeu, até o final
Título: O livro de areia
Autores: Jorge Luis Borges
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2009
Páginas: 112
Tradução: Davi Arrigucci Júnior
“O homem se esquece de que é um morto que conversa com mortos.” (BORGES, Jorge Luis. There are more things. In: O livro de areia. Companhia das letras, 2009, p. 43)
Em ‘O livro de areia’, um dos últimos trabalhos de Jorge Luis Borges publicados em vida (e com o autor já cego), o leitor ainda encontra a mente brilhante de um grande contador de histórias, que sabia como ninguém mesclar realidade e ficção.
Mestre argentino
Não seria exagero dizer que Jorge Luis Borges [1899 – 1986] é o autor argentino com maior reconhecimento internacional. Muitos autores o citam como uma inspiração, foi um autor que influenciou diversas obras, o gênero literário conto e a literatura fantástica também.
Mesmo sendo um autor muito aclamado, Borges não foi laureado com o Nobel de Literatura, e muitos acham isso uma grande injustiça. Se ele não recebeu esse prêmio, com certeza não foi por conta da qualidade de seus trabalhos; provavelmente suas posições politicas o impediram de receber o maior reconhecimento da literatura mundial (ele foi apenas mais um nome na lista de autores injustiçados pelo Nobel).
Ao longo de sua vida, sofreu de uma cegueira progressiva. Acabou ficando completamente cego aos cinquenta e cinco anos, mas isso não o impediu de continuar sua carreira literária; Borges ainda se manteve muito produtivo após esse triste fato.
“Exceto nas severas páginas da história, os fatos memoráveis prescindem de frases memoráveis.” In: O outro, p. 12
Contista nato
Borges não escreveu apenas contos, porém suas coletâneas de contos representam suas obras mais aclamadas, como ‘O Aleph’, ‘Ficções’ e o próprio ‘O livro de areia’. Trata-se de um autor muito influente para esse gênero literário, que conseguiu dar novos ares ao conto.
Algo muito comum em suas obras é a mistura de fatos reais com ficção, e é o que encontramos por aqui. São contos rápidos, bem curtos, afinal, esse foi um autor que não precisava de muitas palavras para dizer muito, para encantar o leitor.
Haverá momentos em que você vai se pegar pensando sobre o que é realidade e o que é ficção. Borges conseguia escrever histórias que mexiam com a imaginação, porém sem deixar de ser crível. Em suma: o sucesso alcançado por esse argentino não foi mera coincidência, mas sim fruto de uma mente brilhante e muito criativa, que possuía enorme habilidade de escrita.
“Sempre é uma palavra que não é permitida aos homens.” In: Ulrica, p. 20
Bom, porém não o melhor
Sim, temos aqui um livro muito bom, muito bem escrito, com contos interessantes, que não cansam o leitor. Porém, não é a melhor obra de Borges. Talvez, por ser uma obra com uma premissa semelhante a trabalhos anteriores, a fórmula tenha ficado um pouco “manjada”, sem apresentar uma grande surpresa.
Quem já leu algum livro desse autor e pega ‘O livro de areia’ para ler depois, encontrará algo semelhante. Não digo que são obras iguais, nada disso, muito pelo contrário. Mas não é uma leitura que surpreende como obras anteriores, ou ao primeiro contato com o autor.
O tempo ajudou Borges. A escrita dessa obra é muito refinada, algo que só um autor habilidoso e experiente conseguiria entregar. Esse é um livro bem curto, composto por treze contos mais um epílogo. São histórias curtas, todavia muito bem formuladas. Borges mostrou que um bom livro não precisava “encher linguiça”. Como eu disse, somente um autor refinado e experiente conseguiria fazer algo do tipo.
“Já que o desejo não é menos culpável que o ato, os justos podem se entregar sem risco ao exercício da mais desbragada luxúria.” In: A seita dos trinta, p. 52
Sobre a edição
Edição padrão. Brochura, capa com orelhas, miolo em papel Pólen Bold (mais espesso e boa diagramação. Projeto gráfico que segue o padrão adotado pela editora para a coleção “Biblioteca Borges”. Vale destacar que esta edição não apresenta grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.
Tradução de Davi Arrigucci Júnior, escritor e crítico literário que já traduziu outras obras de Jorge Luis Borges. Um trabalho muito bom que apresenta algumas notas de rodapé.
“Todas as coisas são reveladas a todos os homens ou, pelo menos, tudo aquilo que um homem é dado conhecer, mas a mim, da noite à amanhã, me foram reveladas essas duas coisas essenciais.” In: A noite dos dons, p. 61
Conclusão
Jorge Luis Borges é sempre uma boa pedida, seus livros demonstram a grandeza do conto e da fantasia. São obras que apresentam uma escrita refinada, que dizem muito com poucas palavras. Trata-se de um dos autores mais importantes do século XX, que modificou os parâmetros do gênero conto. Ele conseguia, como ninguém, mesclar realidade e ficção em seus trabalhos, fica até difícil enxergar a linha tênue que as separam. Apesar de ser um ótimo livro, não é o melhor trabalho do autor, já não é uma obra que surpreende como trabalhos anteriores, entretanto ainda mantém seu brilho. Quem gosta de ler contos, Borges é um autor obrigatório, um dos autores que melhor trabalharam o conto, que conseguiram extrair quase tudo daquilo que esse gênero pode oferecer. Uma leitura rápida, que não fará você se arrepender de a ter iniciado.
“Respondi que o sobrenatural, se acontece duas vezes, deixa de ser aterrador.” In: O outro, p. 15
Minha nota (de 0 a 5): 4
Alan Martins
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