Vitor 30/10/2012
Resenha para apresentação de seminário!
Ina von Binzer, Os Meus Romanos – Alegrias e Tristezas de uma Educadora Alemã no Brasil. Ina von Binzer; tradução de Alice Rossi e Luisita da Gama Cerqueira. 2° edição, - Rio de Janeiro: editora Paz e Terra, 1980. Número de páginas (135). Bentivegni, Ina von, da família Von binzer, pseudônimo: Ulla von Eck, nasceu a 3 de dezembro de 1856 na Administração de Florestas Brunstorff em Lauenburg e passou a infância em Friedrichsruh, molln, Kiel e Schleswig, em conseqüência das freqüentes transferências do pai. Depois da anexação dos ducados Schleswig-Holstein(1866), veio com os pais para Arnsberg, na Vestfália, onde recebeu a sua educação escolar. Mais tarde, esteve, durante um ano inteiro, num internato em Bonn e fez o seu esame de professora em Soest. Tendo falecido sua mãe, pouco tempo antes, viu-se obrigada a representá-la na família. Contudo, um ano mais tarde, pôde seguir a sua profissão de professora. De konigsberg, na Prússia, para onde a família tinha emigrado, no entretanto, partiu, por conta própria, para a peregrinação que a levou em breve, de um lado para o outro,e, em 1881, ao Brasil onde ficou até 1884. De regresso à pátria, dedicou-se à profissão de escritora e, auxiliada por um tio, achou-se na feliz situação de poder dedicar-se, com vagar, a esta nova ocupação. Teve a sua morada em Berlim até se mudar para a sua província natal, o Schleswig-Holstein. Pouco depois, desposou o juiz de comarca, Dr. Adolf von Bentivegni, em Treffurt, que foi transferido em 1899 para Gransee e nos fins de 1906 para Halle. Obras: Leid und Freud” einer Erzieherin in Brasilien, 1887, (Tristezas e aleguias de uma professora no Brasil – romance humorístico em cartas). – Zigeuner der Grosstadt, 1894, (Ciganos da grande cidade). – Tante Cordulas Nichten, 1897, (As sombrinhas da Tia Córdula). Este livro é um depoimento de raro interesse sobre a vida de nosso país na segunda metade do século XIX. Ina von Binzer (ou Ulla von Eck, seu pseudônimo) fornece-nos documentos ricos em informações, através de uma série de cartas escritas à sua amiga Grete, entre 1881 e 1883, em que alia a qualidade literária à agudeza da observação.
Sua leitura revela-nos um Brasil de outros tempos, considerado muitas vezes um Brasil selvagem, do ponto de vista de uma expatriada ainda aqui não ambientada. Embora suas críticas, por vezes severas, a usos e costumes estranhos a ela possam susceptibilizar alguns leitores brasileiros mais sensíveis, suas descrições são sempre impregnadas de um humor puro e sadio.
Faz considerações precisas e cheias de espírito sobre problemas os mais variados, tais como a escravidão, a abolição e o “despreparo” do negro para a liberdade; a forma de educação das crianças brasileiras ricas contrastada com a rigidez dos hábitos germânicos; as festividades que não podia compreender neste país tão diverso de sua pátria, como um Carnaval que encharcava qualquer transeunte de água e polvilho; sua desambientação inicial no Brasil, que levou-a a desabafos, embora reconhecesse a gentileza de nosso povo e a beleza de nosso país; a saudade que não conseguia substituir por outros que tantas vezes não eram por ela aceitos ou compreendidos.
A forma de viver brasileira da época foi muito bem percebida, e descrita com incrível vivacidade por essa jovem de então 22 anos de idade. É um excelente documentário de fim do século e uma obra literária de grande interesse, que nos revela uma criatura sensível, espiritual e espirituosa.
Entre outros trabalhos, em São Paulo Ina foi professora em casa da família Prado, a cujos filhos chamava de “os meus romanos” em alusão a seus nomes – Caio, Plínio, Lavínia, etc -, o que inspirou a adoção do título desta edição.
Ina von Binzer descreve suas aventuras em meio a cenários bastante rústicos os quais ela cita com grande riqueza de detalhes, as fazendas pelas quais ela passa e muitas vezes se aloja, as estações ferroviárias que fazem a malha de locomoção entre as regiões da época, as paisagens entre as localidades, as estradas, a fauna e a flora. Tudo é bem observado pelos olhos e ouvidos atentos, distintos e apurados de Ina von Binzer.
O cenário cultural, político, sócio-econômico e também a situação de transição vivida no país no final do século XIX, sua visão filosófica e sociológica a respeito.
Tudo isso mesclado com uma boa dose de literatura romântica, torna a leitura de seu livro uma experiência prazerosa e rica de cultura, que apesar de ser construída por uma professora Alemã em território Brasileiro é tão rica de detalhes verídicos e compatíveis com a história do nosso país, que pode ser considerado um registro histórico fidedigno.
Na fazenda S. Francisco de propriedade do Sr. Rameiro, Ina von Binzer relata a beleza do lugar, dos animais, dos jardins, das frutas do pomar, mas também o desconforto e a falta de requinte do casarão da fazenda que pouco oferecia se comparado ao lugar de onde procedera a querida professora, aliás, Ina von Binzer faz críticas e comparações ao nosso país que as vezes chega a incomodar o leitor. Ina von Binzer faz no início de sua estada no Brasil uma idéia equivocada da maneira de viver dos brasileiros que era e é bem diferente dos Europeus.
Em contra partida a sua visão em relação ao convívio dos senhores de escravos e os seus é bem próxima do que realmente viviam os envolvidos neste contexto.
Algumas vezes esta relação é descrita como que de amizade, em outras nem tanto, e por diversas e sombrias oportunidades ela relata as crueldades e mazelas a que eram expostas as pessoas simplesmente pelo fato de ter seu destino determinado pela cor de sua pele. Graças a Deus a abolição chegou e 1888.
Depois de ter passado alguns anos no Brasil, Ina von Binzer encontra-se agora em uma fazenda em que os escravos já não vivem em cativeiro, mas já se preparam para uma pseudo-liberdade que estava as portas para muitos, mas que estes mesmos que estavam prestes a ganhar a tão sonhada liberdade, não sabiam o que fazer com ela. Esta é uma situação que muito preocupava Ina von Binzer e que ela cita com bastante ardor em seu livro.
Os negros faziam o plantio do café, do açúcar, do algodão e das demais culturas da época, porém com o fim da escravatura os brasileiros não sabiam o que fazer para continuar a produção, os negros não sabiam o que fazer com a liberdade e os imigrantes que
estavam chegando da Europa como os Portugueses, Suíços e Italianos não queriam assumir a posição de submissão que os escravos ocupavam, eles queriam ser donos de suas próprias produções e fazer riquezas para poder voltar para sua terra natal.
O Brasil não possuía classe operária nem de artesãos e quando os engenheiros vinham da Europa e instalavam os novos maquinários para o processamento da produção agrária e iam embora, os maquinários ficavam sem manutenção quando quebravam, pois o brasileiro estava muito acomodado com o serviço escravo, e o próprio brasileiro não tinha interesse em aprender nenhum ofício que servisse à sua própria demanda.
Ina von Binzer era de opinião que se encaminhassem as crianças “pretas” libertas para exercer um ofício regular. A lei de emancipação de 28 de setembro de 1871 determina entre outras coisas aos senhores de escravos que mandem ensinar a ler e a escrever a todas essas crianças.
Já na fazenda São Sebastião em São Paulo, do Sr. Souza e D. Maria Luiza, fazenda que foi a última em que ela esteve lecionando no Brasil, Ina von Binzer agora já bem ambientalizada em nosso país, começa a descrever o cotidiano com mais ternura, sentimento e amor. Ela sita esta última fazenda como agradável e mais aconchegante.
Um sentimento carinhoso, uma relação mais amigável com as pessoas e uma compreensão dos costumes e atitudes dos brasileiros, tudo agora era absorvido pela professorinha alemã por um prisma mais abrasileirado, que em minha opinião é o jeito de viver mais natural do planeta terra. O brasileiro sabe viver.
A carne de frango, tatu, outros bichos de caça, a canjica, o milho verde cozido, o caldo de cana, a fazenda rústica, a floresta fechada, poucas árvores, tudo agora sob o olhar de Ina tem um toque de sentimento. Ina von Binzer, finalmente depois de ensinar e aprender com os brasileiros enxergou nos brasileiros e no Brasil o que realmente somos. Em janeiro de 1883, Ina escreve sua última carta e deixa nosso país em regresso a sua terra natal, porém ela nos deixa já com saudades dizendo que se encontra muito feliz e triste por deixar um país tão lindo e belo.
Ina sentia que o regime de trabalho escravo chegara ao fim. Por convicção, ou por simples vergonha, o fato é que ninguém mais apoiava e defendia a instituição extinta praticamente no mundo inteiro. Mas exatamente por isso se assombrava de ver que ninguém pensava no que fazer com os negros depois de libertá-los. Assinando as cartas com seu pseudônimo literário de Ulla, vivia Ina a exclamar Ach! Quando escrevia à amiga Grete. Ela achava que o brasileiro “ele próprio não se dedica ao trabalho se o pode evitar e encara a desocupação como um privilégio das criaturas superiores. Como esperar que o escravo, criado em animalesca ignorância, mas dentro dessa ordem de idéias, seja capaz de adquirir outras por si, formando sua própria filosofia?” Adiante observa: “Um parente muito rico do Sr. De Souza libertou todos os seus pretos que eram cerca de 300 e substituiu-os á custa de enormes despesas por colonos da Suíça e do Tirol. Esse não é um caso isolado”.
Parte da história do Brasil é bem retratada por Ina von Binzer em seu livro, pois durante seus relatos ela narra fatos que marcaram uma época de transição em que o sistema escravagista estava deixando de existir no Brasil, levando-se em consideração que em outros países a abolição já havia chegado.
Situações cotidianas vividas por Ina von Binzer destacam a relação entre alguns senhores de escravos e outras de pura crueldade.
Conta também quão grande era a dificuldade de locomoção entre as cidades e localidades do país, pois as condições das estradas não eram das melhores, que ela descreve em alguns momentos que mais pareciam trilhas e não estradas.
A culinária também é descrita como pouco refinada aos olhos de uma cidadã européia, que via aqui um tipo de alimentação muito rústico para seu paladar tão refinado, nossa farinha, açúcar e carne de caças não lhe faziam muito a cabeça.Ina von Binzer tinha saudades de sua terra natal(Alemanha) que do seu ponto de vista era mais desenvolvida em todos os âmbitos por ela explorado: as vestimentas; a culinária; a indústria; a educação; o transporte; o conforto; o modo de se relacionar entre os europeus; a dedicação dos seus conterrâneos para com as atividades do Estado etc...
Porém Ina von Binzer fala de uma época em que a sua terra natal não tinha passado o período das grandes guerras mundiais, ela achava o Brasil um tanto quanto atrasado, mas se ela tivesse vivido na Alemanha durante 1915 e 1945, ela não teria a mesma idéia do Brasil, todavia mesmo depois de alguns anos no Brasil, Ina von Binzer passa a gostar de nosso país, de nossos costumes e de nossa gente, enfim, o que faltava a ela era a convivência, pois ela fez um pré-julgamento do que realmente era o Brasil, que aos poucos foi se revelando o maravilhoso país que é.
A obra contribui imensamente à qualquer pesquisador que busca entender o período pelo qual passava o Brasil no final do século XIX, retratando de forma fiel, verdadeira e intensa aquele momento do país, e com certeza, se tem uma coisa que Ina von Binzer faz com maestria é correlacionar um romance bem executado com o contexto histórico de nossa Pátria amada, idolatrada, salve, salve. Originalidade não faltou em sua história que de ficção, nada tem. O texto simples de Ina von Binzer trata de assuntos muito pertinentes para sua época, sua visão dos acontecimentos é bem abrangente e trata de assuntos domésticos e de âmbito nacional de maneira muito coerente. Seu estilo é coeso e narrado de forma bastante pessoal e particular, pois demonstra e expressa sua opinião em relação aos fatos que permeiam o seu em torno e a situação do país como um todo, a sua concepção de política e comportamento é extremamente exata em se tratando da abordagem que os brasileiros deveriam implementar naquela época, abordagem essa que vale até hoje, pois ainda hoje necessitamos de políticas públicas que acompanhem o desenvolvimento tecnológico e cultural do nosso país. A maneira como Ina narra sua história é extremamente inteligente , porque emitir opiniões
pessoais em relação aos acontecimentos, a situação do país, se corresponder com sua amiga na Europa, relatar seu cotidiano e falar dos seus anseios e frustrações, depois pegar tudo isso escrito em forma de cartas separadas e transformar dispor esse material em forma de romance, é genial, sem sombra de dúvidas.
Todo brasileiro deveria ter acesso a esta obra literária que através de seu conteúdo transmite ao seu leitor todo contexto histórico de nosso país. Uma abordagem sintetizada, mas totalmente coerente e veraz.
Até mesmo um estrangeiro se satisfaria com o romance de Ina von Binzer, talvez este não entenderia a obra como um brasileiro por não conhecer nossos costumes assim como Ina em determinado momento não o entendia, mas a partir deste, já seria um bom começo para o entendimento de nossa cultura.
Enfim, a obra é indicada a todos os que têm desejo de conhecer a história e prazer em uma boa leitura.