Livros da Julie 26/10/2020Amarras psicológicas-----
"nunca acreditara na possibilidade de uma guerra; um conflito armado era como a tuberculose e os desastres ferroviários: só acontecem aos outros."
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"É extraordinário o número de coisas que nunca veremos."
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"valeria a pena sonhar um amor que não queremos viver, na realidade?"
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"não sou feita da massa com que se constroem as vítimas."
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"muitas vezes, quando julgamos viver no presente, mesmo contra a vontade estamos comprometendo o futuro."
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"os táxis e os elevadores são os pequenos descansos das mulheres que vivem demais."
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"Tudo, afinal, era uma corrida sem objetivo. Somos lançados indefinidamente para o futuro, mas quando este se torna presente, é preciso fugir."
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"Viver era envelhecer, nada mais."
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"Bons momentos, maus momentos... O resto não será ilusão e literatura?"
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"Havia apenas uma soma indefinida de instantes indiferentes, apenas um pulular desordenado de carne e pensamento, com a morte no fim."
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"Acho horrível esta expressão: mulheres bem conservadas. Parece que ouço o homem do armazém quando quer vender lagosta em conserva: 'É tão boa como a fresca.'"
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"Ah! eu só queria poder, tranquilamente, gostar mais de mim do que dos outros."
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"Ela podia saber, com exatidão, o que não era. Mas doía conhecer-se apenas por meio de uma série de ausências."
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"Se eu tivesse verdadeiramente importância para alguém, talvez conseguisse valer um pouco mais para mim próprio. Assim, não chego a dar valor à minha vida nem a meus pensamentos."
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A Convidada é o terceiro livro do projeto #lendoBeauvoir, criado pelas @hecicandiani e @izabellasepulveda, e é o primeiro romance da autora.
Pierre e Françoise são produtores teatrais e vivem um relacionamento amoroso, mas livre, sem cobranças. A relação estável e intelectual entre os dois parece ser o complemento perfeito para uma vida dedicada à arte. Mas Françoise acaba se encantando pela provinciana Xavière e, interessada em seu jeito simples e em sua beleza juvenil, a convence a morar em Paris, onde a teria à sua disposição.
O que poderia ser uma aventura prazerosa e um ótimo passatempo para contrabalançar a pesada rotina do teatro se transforma em uma constante ameaça à paz de espírito de Françoise, devido ao difícil temperamento de Xavière e à atenção que Pierre começa a lhe dispensar.
O livro tem um início lento. Porém, quando já estamos devidamente apresentados aos personagens e enfim entendemos as razões das diferentes dinâmicas entre eles, a leitura passa a fluir melhor.
Ao mesmo tempo em que se debruça sobre as questões da representação teatral e trata das possibilidades de se romper com o tradicional e de demonstrar frescor às cenas sem se apoiar em clichês modernistas, Beauvoir planta a semente dos temas que viriam a ser tratados em seus livros posteriores: os eternos questionamentos femininos e as reflexões sobre relacionamentos. É quase impossível não nos identificarmos com pelo menos um dos aspectos abordados.
À medida que o tempo passa, Françoise percebe que nunca se conheceu verdadeiramente. Ela nunca havia parado para pensar a respeito de sua existência, questionar sua personalidade, seu papel no mundo. Françoise, como tantas outras, deixa sua individualidade para trás e se vê enredada em uma relação altamente tóxica, sofrida e desgastante, vendo o seu desejo se tornar uma maldição.
A Convidada (livro e personagem) desperta sentimentos de raiva, repulsa e impotência. Assim como na vida real, é angustiante ver alguém se deixando levar passivamente pelas circunstâncias, trilhando um caminho sem volta, sem conseguir mexer uma única palha para sair de uma situação que até pode aparentar um resultado positivo, mas que só traz infelicidade e dissabor.
Trata-se de uma história sobre a necessidade de se libertar dessa prisão cujo único responsável é o próprio indivíduo; sobre a dura lição de tomar as rédeas da vida nas mãos e traçar um destino sem amarras e sofrimento.
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