spoiler visualizarIsa Beneti 16/11/2023
História simples, sensível e dolorosa sobre (e como) a vida
Como pode ?????? Alguém me explica como pode um livro tão curto, com uma história tão simples e em terceira pessoa me fazer sentir tantas coisas ???? Chorei demais.
A história do velho pescador cubano Santiago, seu irmão (peixe), o garoto Manolo e 'la mar' é simplesmente tocante. Usando aqui o sentido literal da palavra simplesmente. Isso por que a linguagem usada não é nada rebuscada, não exagera em nada, e a história contada tem uma duração de não mais que 4 dias. Mesmo assim, o livro nos faz sentir muito próximos do velho protagonista, que é a criatura mais simples e humilde que já existiu no mundo da literatura !!!
Santiago não pesca nada há 84 dias, até que o garoto Manolo, a quem ele ensinou tudo sobre pesca e que por isso o respeita muito, resolve o ajudar. Os diálogos entre o velho e o garoto são muito simples, não passando de conversas banais sobre baseball (sobretudo o ídolo dos Yankees- DiMaggio), mas percebe-se que há muito carinho e respeito do rapaz para com o idoso.
Eis que, no dia em que ele é ajudado pelo menino, o velho sai para pescar sozinho e isca um grande peixe, o qual não consegue puxar para fora. O velho decide esperar segurando a linha, torcendo que o peixe logo canse. Mal sabia ele que essa espera duraria quase 3 dias inteiros...
Nunca na minha vida li uma descrição que fosse ao mesmo tempo tão enxuta e detalhada. Ela me fez sentir na pele tudo o que o velho passou nesses dias. E que dor! Consegui SENTIR desde o chapéu de palha cortando o sua testa de tanto ficar na mesma posição, até os cortes fundos nas suas mãos, pela linha, a dor insuportável nas costas e a dormência de vários membros, com os quais, inclusive, ele conversava.
Aliás, ele conversava com tudo, na falta de ter com quem falar. Conversava com "la mar" (como chamava carinhosamente o oceano), com os pássaros, consigo mesmo, e principalmente com seu "irmão", o peixe. Ele sentia imenso respeito e admiração pelo bravo peixe, que se aproximara poucas vezes para que ele pudesse ver. Mas, mesmo com essa veneração ao bixo, ele sentia que precisava o matar.
Essa relação dual do velho com o peixe, e também do velho com o ambiente, foi certamente uma das coisas mais lindas que eu já li. A relação do protagonista com essa natureza é absolutamente maravilhosa. Santiago vê todos os animais como irmãos, identificando muita humanidade neles e muito dos animais em nós. Com o irmão peixe, então, tudo se mistura mais ainda: podemos enxergar o peixe como um duplo do velho, já que é quase tão humano e tão forte quanto ele.
Digo "quase" tão forte pois, no final, é o velho quem vence a batalha, depois de incontáveis horas se machucando, impossibilitado de comer, beber água ou dormir corretamente, ele finalmente mata o Delfim de 6 metros. O alívio que essa vitória dá ao leitor é inexplicável, já que as cenas de "combate" de pesca entre o velho e o peixe são muuuito agonizantes. Mal sabia eu que a parte mais agonizante, na verdade, ainda estava por vir...
Depois de dias em luta e em dor, e depois de finalmente vencer a batalha, o pescador ainda tem que voltar para Cuba, visto que ele havia sido empurrado por quilômetros em direção ao alto mar. Durante esse percurso, o velho e sua caça começam a ser atacados pelos primeiros tubarões. Nessa altura do campeonato, várias partes do corpo do velho já tinham/estavam perdendo as forças, mas faltava ainda sua mente, que só agora começava a delirar graças à privação de necessidades básicas. Embora tenha resistido aos primeiros tubarões, com a caída da noite, o velho não conseguia mais proteger o seu grande prêmio, que acabou sendo comido inteiramente pelos predadores.
Chegando na costa com apenas a carcaça daquilo que o causou tanta dor por dias, ele se arrasta até seu miserável barraco. Quando Manolo o encontra naquela situação, chora e o acolhe. Enquanto isso, toda a população fica chocada com o tamanho da carcaça trazida por ele.
Não consigo expressar tamanha força, sensibilidade e beleza que essa pequena novela transmite. É uma experiência linda, mas ao mesmo tempo muito dolorosa- assim como a vida.