Flávia Menezes 16/05/2023
??NÃO ENTENDO ISSO DOS ANOS: É BOM VIVÊ-LOS,MAS NÃO TÊ-LOS.
?O Velho e o Mar?, é uma novela de Ernest Hemingway que foi publicada ainda durante a sua vida, em 1952, e que até os dias atuais permanece como uma das suas obras de referência. Quando o autor entregou o manuscrito ao seu editor, ele adicionou a ele um bilhete que dizia: ?Eu sei que isso é o melhor que posso escrever na minha vida toda?. Um palpite muito certeiro, já que o livro acabou rendendo a Hemingway um Pulitzer em 1953, e o prêmio Nobel da Literatura em 1954.
Meu primeiro livro do autor foi ?Paris é uma Festa?, e eu me apaixonei tanto pela escrita dele em uma obra de não-ficção, que contava sobre o seu período em Paris com sua primeira esposa, quando ele ainda ensaiava seus primeiros passos como escritor, que fiquei com receio de ler este, e encontrar diferenças em seu tipo de narrativa. Um receio bobo, pois a escrita de Hemingway é realmente muito poderosa e tão cheia de sentimentos, que ele facilmente consegue nos emocionar.
Aliás, falar em emoção é falar de ?O Velho e o Mar?. Já que acompanhar a história de Santiago (um pescador simples que vai ensinando tudo o que sabe do seu ofício para um jovem garoto chamado Manolin, enquanto comenta sobre as limitações que o tempo lhe impôs) é também se emocionar do começo ao fim.
Apesar de ser um livro curto, geralmente com edições de um pouco mais de 100 páginas, a grandiosidade da mensagem que nele contém é imensurável. Essa é uma história que fala sobre a finitude humana, sobre a fragilidade de cada um de nós, sobre a sabedoria que os anos nos traz, sobre a lealdade, sobre caridade, e sobre acima de tudo, ser humilde e gentil com aqueles que vieram antes de nós.
Quando o velho Santiago fala sobre a natureza, sobre o mar, as aves e os peixes, é com um enorme respeito e reverência ao lugar de onde vem toda a sua subsistência. É o mar que sempre o alimentou, e são os peixes, os seus companheiros, que se sacrificaram para que ele continuasse nessa jornada chamada vida até a fase da velhice. Essa é uma expressão tão bela de como o velho Santiago vê a pescaria como parte do seu destino, e a ela se dedica em cada um de seus dias, não apenas em acordar cedo e levar o seu barco para alto mar em busca do seu alimento, mas também de ensinar a arte aos mais novos.
O mar, nesta história, tem duas grandes representações e eu quero poder falar um pouquinho sobre elas.
Para o velho Santiago, o mar é como uma mulher. Ele o vê como se fosse um feminino. Em uma das passagens ele chega a citar como a lua afeta o mar, tanto quanto afeta as mulheres. Para Santiago, o mar é como uma mãe. É a mãe que alimenta, assim como é dela que provêm a vida. E a forma como ele o respeita, é como respeita o feminino da mãe. Da mãe que um dia o gerou e o alimentou, assim como o mar é capaz de gerar toda a vida que também o alimenta. Uma bela alegoria da sua relação de subordinação a algo que lhe é muito maior. O mar é extenso, e como uma mãe, é aquele a quem se deve respeitar, se quisermos conseguir algo vindo dele.
Uma outra representação, é que quando Santiago parte em sua viagem em busca do grande peixe, o maior que já pescou em toda a sua vida, esse momento simboliza o mergulho na imensidão do seu inconsciente. Esse é um outro significado que esse mar traz, porque o tempo em que ele passa no mar, é o tempo que ele passa consigo mesmo. Enfrentando todos os seus monstros internos, e vendo que apesar de tudo, ele é forte o suficiente para sair vitorioso. Sua jornada é encarar o desconhecido, em uma relação em que a grandiosidade do mar o faz perceber como ele é pequeno, frágil, a ponto de se conscientizar que é preciso ter coragem para sair do mar vivo, tanto quanto é preciso ter coragem para viver e chegar ao fim da vida.
Uma outra simbologia que é trazida nesta história é o sonho recorrente que Santiago tem com leões. O leão é o Rei dos animais, e simboliza a sabedoria, o poder e a justiça, e a sua imagem está associada à figura do pai, do mestre, do chefe ou do imperador. Exatamente o que o velho Santiago representa na vida do jovem Manolin: ele é o seu mentor, seu mestre, é aquele que tanto tem a lhe ensinar.
Aliás, a amizade entre Santiago e Manolin me lembrou uma bonita passagem da autobiografia do Bert Hellinger, quando ele diz:
?O que é velho envelhece assim que o novo chega. Então, pode terminar. E tão logo termine para nós, nosso olhar e nosso movimento podem seguir para a frente. Se pararmos nesse movimento, o novo também para. Em vez de vir, falta. O novo envelhece o velho. Dele tira o tempo e suas possibilidades. Quanto mais rápido nos prepararmos para o novo, tanto mais rápido o velho ficará para trás. Ficará para trás sem deter o novo nem barrar seu caminho. Isso significa, então, que o velho está completamente terminado? Graças ao novo, seus dias estão contados. Por mais precioso e valioso que tenha sido para nós, apenas quando entra no novo como algo velho e, ao mesmo tempo, fica para trás no novo, é que o velho continua agindo nele.?
E é exatamente assim com o Santiago e o Manolin: enquanto o velho envelhece, e sente seus efeitos, o novo vai aprendendo com ele, e tomando o seu lugar, para dar continuidade ao trabalho que seu antecessor iniciou.
Essa é uma parte muito tocante na história, porque a forma como o garoto cuida do velho Santiago é tão cheia de afeição e carinho, que me fez pensar na juventude da atualidade. É tão importante compreender que uma pessoa de mais idade, que já esteja desfrutando da velhice, é muito mais do que apenas os músculos que perderam a sua rigidez, ou dos ossos que se tornaram frágeis, e do rosto cuja pele começa a enrugar porque perdeu toda a sua elasticidade.
Aqueles que têm mais idade do que nós, já viveram mais, e passaram por mais coisas do que nós passamos. E é certo que possuem tanto a nos ensinar. E se vivemos tendo que aprender pela dor, do que pelo amor, é exatamente por queremos fazer do nosso jeito, sem dar ouvidos àqueles que vieram antes de nós. Porque se o ouvíssemos, não precisaríamos errar tanto assim.
É bela essa frase de Albert Camus do quanto queremos ter uma vida longa, mas quanto mais o tempo passa, e mais aniversários fazemos, mais angústia sentimos. Claro que a velhice não é fácil, e existem muitos desafios que temos que passar e sem preparo algum, porque não sabemos o que devemos esperar do nosso próprio processo de envelhecimento. Mas o medo de envelhecer tem sido tão forte na nossa atualidade. Não apenas pela evidência dos procedimentos estéticos que tem sido buscado por pessoas cada vez mais jovens, mas em ver como os jovens hoje têm medo de envelhecer. E veja bem, eu não estou aqui me referindo a ter 70 ou 80 anos. Mas estou falando de ter 30...40.
Eu posso até estar equivocada, mas acredito que o medo seja muito maior do amadurecer, do que do envelhecer em si. Que particularmente eu vejo muito mais como um medo de ter responsabilidades e tudo o que vem no pacote de ser adulto, do que necessariamente do tempo que age forte sobre a vitalidade do corpo. Que mística tem rondado tanto os nossos jovens para que, ao contrário do que acontece no filme ?De repente 30?, onde uma menina de 15 anos quer ter 30 anos, porque 30 é a idade do sucesso, parece que para os jovens de hoje, chegar aos 30 é iniciar o seu declínio. E posso dizer uma coisa? Mas é exatamente o contrário!
Não podemos parar o tempo, nem impedir o processo de envelhecimento que cada um de nós está passando a cada dia a mais que vivemos. E se pararmos para pensar, por que faríamos isso? A vaidade pode até querer que o relógio pare, só para que o corpo (o externo) possa permanecer cheio de energia e vigor. Mas e a quantidade de lembranças que vamos colocando na mala da vida (interno)?
Quantas alegrias, quantas pessoas incríveis que conhecemos ao longo da nossa jornada, e quantas dores passamos que podem até ter arrancado muitas lágrimas, mas também nos ensinaram tanto. Nossos jovens querem tanto ser sábios, mas a sabedoria não é feita apenas do conhecimento das teorias que vemos por aí. O saber se faz também da experiência, e para isso, é preciso viver, e viver muito.
Sabedoria se faz ouvindo aos mais velhos e aprendendo com eles, porque eles já passaram por muitos desafios, que mesmo que as épocas e as gerações possam ser diferentes, mas acredite, nós também um dia passaremos. E quando respeitamos o velho, nos incorporamos no novo (nós) também o outro (o velho), e aí sim que adquirimos sabedoria.
Falar da velhice é como falar da filosofia. Quando um Kierkegaard, ou um Heidegger fala, eles não estão nos passando um conceito que devemos aprender e ponto. Eles nos convidam a filosofar com eles. Eles nos convidam a olhar para a nossa vida, e sentir mais do que tentar entender o que eles estão tentando nos ensinar. E é isso que os mais velhos também fazem. Eles nos falam das suas experiências de vida, porque suas cicatrizes trazem história. E esse filosofar dos anos vividos, nos preparam para os obstáculos que nos esperam logo à frente.
Santiago podia até ser apenas um pescador de idade avançada, mas ele também foi a prova de que os anos bem vividos podem debilitar um corpo, mas também nos ensinam a ter coragem, e a seguir em frente, porque sabemos do que somos capazes. E é por isso que o garoto Manolin me tocou tão profundamente. Porque ele respeitou cada cicatriz do seu grande mestre, porque sabia bem o herói que ele era. Ele sabia que a velhice não é apenas deixar o corpo frágil, mas acumular experiências importantes.
E é por isso que ele via o velho Santiago como o grande. Porque na pequenez da sua inexperiência, ele podia ter o vigor do corpo físico, mas na ausência da sabedoria, ele estaria frágil diante dos desafios que a vida tem para lhe impor. E na humildade de quem sabe que pouco sabe, ele se colocava como aprendiz. Porque para enfrentar a imensidão do mar, ele sabia que precisava de tudo o que o velho Santiago tinha para lhe ensinar.
Por isso que na vida um dia somos aprendizes, e no outro, somos mestres. Mas para chegar lá, é preciso saber se colocar com humildade no lugar de quem precisa aprender primeiro, porque na vida primeiro primeiro se semeia, e depois se colhe.