Alexandre Kovacs / Mundo de K 16/09/2016
Paris Doisneau
Editora Cosac Naify - 400 páginas - Tradução Célia Euvaldo - Lançamento 15/09/2010
Robert Doisneau (1912 - 1994) ainda é uma inspiração viva para o fotojornalismo e os fotógrafos de rua de todo o mundo. Este livro reúne 500 imagens de um acervo de mais de 400 mil negativos que têm como tema principal a própria cidade de Paris com seus jardins, bistrôs, cabarés, festas, monumentos e, principalmente, o povo parisiense e seus hábitos no dia a dia, tudo isso ao longo de um século que nem sempre foi de luzes. Assim, também estão registrados momentos da ocupação nazista e da resistência francesa, sempre através de uma visão humanista e bem-humorada, uma marca na carreira do fotógrafo. A capa do livro, por exemplo, é um alerta aéreo no Boulevard de Strasbourg durante a Segunda Grande Guerra, mas quem poderia imaginar tal coisa por esta imagem? Este olhar irônico, tão próprio do artista francês, estabelece uma assinatura de Doisneau, um estilo que o caracteriza e distingue de outros grandes fotógrafos da época. A vida como ela deveria ser.
Ele soube representar todas as classes sociais, gente simples das ruas, artistas, escritores, trabalhadores e desocupados, até mesmo a aristocracia francesa no período em que trabalhou para a Vogue, Life e Paris Match. É considerado, juntamente com Henri Cartier-Bresson, um dos precursores do fotojornalismo atual. Foi difícil escolher alguns poucos exemplos de uma obra tão extensa, as citações abaixo são todas extraídas do livro que incluiu trechos de cadernos de anotações pessoais do fotógrafo e a extensa bibliografia disponível. Para conhecer mais sobre o trabalho de Robert Doisneau e visitar a galeria de fotos no site oficial clique aqui. Indispensável para quem gosta de fotografia e história.
"Lembro-me de Paris boinas e chapéus-coco e de Paris revoltada, Paris humilhada, Paris carolas-burguesas, Paris putas, mas Paris secreta e também Paris barricadas, Paris embriagada de alegria, e, agora, Paris carros, Paris tramoias, Paris 'jogging'..."
"O povo de Paris, esfregando-se no mobiliário urbano, deu à cidade essa pátina que podemos apreciar. Assim, eu mesmo, por minhas repetidas passagens, colaborei tanto com o lustro dos bibelôs das ruas que sinto, pela primeira vez na vida, um vago sentimento de propriedade. Quero, entretanto, me colocar no lugar dessa espécie incomum dos proprietários liberais, deixando a vocês minha porta escancarada."
"Na verdade, deixar às gerações futuras um testemunho sobre Paris durante a época em que tentei viver, posso confessá-lo hoje, foi a menor das minhas preocupações."
"Se eu tivesse imposto a mim mesmo tal missão, sistematicamente, teria acumulado milhões de imagens, mas em troca de vários dias sem prazer. Mas não, não havia nenhuma premeditação em minha atitude. A luz da manhã me punha a caminho, não fazia sentido. Era possível estar apaixonado pelo que eu via?"
"Caminhei tanto sobre os paralelepípedos e depois sobre o asfalto de Paris, sulcando a cidade em todos os sentidos durante meio século. Exercício que não requer meios físicos muito excepcionais. Paris não é Los Angeles, graças a Deus, e a condição de pedestre não é aqui um sinal de indigência. Ao longo dos anos, essas imagens que hoje flutuam e vêm se agrupar como rolhas de cortiça na correnteza do rio foram feitas durante as horas roubadas a meus diferentes tipos de empregadores."
"Desobedecer parece-me uma função vital e devo dizer que não estou privado disso. Enquanto eu, delinquente envelhecido que sou, vejo essas pessoas sérias que são os curadores de museus e os bibliotecários fazer grande caso dessas imagens recolhidas em condições ilegais, sinto elevar-se em mim um delicioso contentamento."
"O que me atrai só é benéfico se for algo estritamente pessoal, para o uso íntimo, em suma. Quero dizer que em determinado lugar deparei com uma silhueta tão harmoniosamente equilibrada que ela adquiriu de imediato o valor de um totem deslumbrante que desde então tento reencontrar, e que em outro lugar um amigo me fez um aceno, o último antes de desaparecer na esquina. Vejam, isso não tem nenhum interesse para vocês."
"A cidade é, para mim, cada vez mais povoada de fantasmas. 'Como é que você diz isso? Sempre existiram muitos fantasmas.' Talvez, mas os fantasmas dos outros são indiferentes para mim."
"O charme das cidades, por fim cá estamos, é como o das flores; ele se deve em parte ao tempo que vamos deslizar sobre elas. O charme precisa do efêmero. Não há nada mais indigesto que uma cidade-museu consolidada por próteses de concreto."
"Paris não corre o risco de se tornar uma cidade-museu; o dinamismo e a avidez dos empreendedores são sua mais sombria garantia. Seu frenesi em tudo demolir é menos repreensível que sua inépcia em construir conjuntos mal-acabados que só funcionam com a intervenção permanente de um policial musculoso."
"Todas essas agências bancárias, todos esses edifícios de vidro, todas essas fachadas de espelho são a marca de uma arquitetura do reflexo. Não se vê mais o que se passa na casa dos outros e tem-se medo da sombra. A cidade torna-se abstrata. Ela não reflete mais senão a si mesma. As pessoas fazem quase desordem nessas perspectivas. Antes da guerra, havia recantos por toda parte."