Paulo Sousa 31/05/2020
Leitura 27/2020
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Del amor y otros demonios [1994]
Gabriel García Márquez (Colômbia, 1927-2014)
Debolsillo, 2018, 176 p.
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?No se saciaron de hablar de los dolores del amor. Se esgotaban a besos, declamaban llorando a lágrima viva versos de enamorados, se cantaban al oído, se revolcaban en cenagales de deseo hasta el límite de sus fuerzas: exhaustos pero vírgenes? (pág 148).
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Há alguns pares de anos, quando fazia um curso de inglês que me levou apenas a algo mais que o ?the book is on the table?, lembro de ter dito a alguns colegas de classe sobre o certo desprezo que eu sentia pela língua espanhola. Não achava, à época, que uma ?língua secundária? merecia o investimento do aprendizado numa escola de idiomas. Ledo engano.
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Depois de ter tido a experiência de ir a alguns países de língua espanhola, de ter conversado com nativos usando plenamente essa mistura salva-vidas chamada ?portunhol?, acabei me interessando pelo idioma, a gastar algum tempo estudando-o, a sentir uma considerável melhora nas conversas que tive com motoristas de Uber e pessoas que ia encontrando pelas ?calles?, graças a essas imersões no espanhol, e de ler um livro de Montalbán em castelhano, hoje vejo a beleza musical que é este idioma tão marcante. Essa a razão de ter lido este delicioso livro de Gabriel García Márquez, o grande Gabo, escritor colombiano, autor de dois de meus livros prediletos da vida, ?Cem anos de solidão? e ?O amor nos tempos do cólera?.
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A edição que li, da editora Debolsillo, a comprei numa pequena e lindinha livraria numa ruela do bairro da Recoleta, em Buenos Aires. Não é o melhor lugar para comprar um livro colombiano (outra de minhas manias: comprar um livro do escritor local nos lugares por onde passo...), mas o preço baixo - livros só são caros no Brasil, me parece - o pus na sacola com um Borges junto, que lerei em breve.
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Del amor y otros demonios traz uma história que Gabo diz ter ouvido de sua avó e que lhe foi lembrada durante uma reportagem que fez em Cartagena de Índias, a bela cidade caribenha banhada pelo Pacífico colombiano. Na ocasião, enquanto cobria uma reportagem sobre as antigas criptas de um mosteiro, viu de uma delas ser extraído uma ossada com cabelos que mediam 22 metros! Por isso, o livro vai contar a trágica história de amor entre um padre, Cayetano Delaura e a bela Sierva María, filha de um fidalgo que, devido a uma mordida de cachorro raivoso, foi enclausurada num convento por suspeita de possessão demoníaca. Desde pequena desprezada pelos pais, acaba sendo praticamente criada por escravos, que a educaram nos costumes e rituais yorubás, sendo versada em invocações e cantigas ?profanas? daquele povo africano.
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Cayetano é escalado para presidir o ritual de exorcismo para livrar a garota da suposta possessão, mas essa ajuda lhe custa caro porque acaba se apaixonando por Sierva, um amor proibido numa situação em que ciência e cultura africana se chocam com os dogmas da Igreja. A história, ao modo de contar de Gabo, é permeada por eventos fantásticos, comuns à sua prosa, e pela tragicidade em que acabam seus personagens, fadados que estão a morrer de amor e de solidão, como o próprio Cayetano que, uma vez descoberto seu sentimento pela ?doente?, é julgado e condenado a trabalhar num hospital comunitário, onde deseja ardentemente morrer para não sofrer pela ausência de sua amada. Já Sierva, morre de amor em sua solitária cela, sendo encontrada já sem vida mas com seus cabelos a crescer veementemente...
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Reli algumas vezes o ?Cem anos...? e ?O amor nos tempos do cólera?, sempre em português. A prosa super recheada de adjetivos e dinâmica de Garcia Marquez encanta e envolve o leitor pela forma como elementos mágicos se misturam com o realismo criando uma atmosfera onírica de luzes diáfanas (palavra que aprendi lendo Gabo) e musicalidade exarcebada. Mas nada como sorver um autor em seu próprio idioma que, como disse acima, me fez me apaixonar pelo espanhol. Vale!