spoiler visualizarDani 06/02/2024
A autobiografia da arrogância
Antes mesmo do prologo o autor demonstra um semblante arrogante, remetendo a sensação de que o Paulo Coelho é uma pessoa orgulhosa, com postura de superioridade e elitista. Cria-se uma esperança e dedução de que o livro será sobre a transformação desse orgulho em humildade, mas infelizmente não correspondeu as expectativas.
A arrogância transpareceu quando se disse decepcionado por ouvir de seu guia que o Estranho caminho de Santiago é para todos, pessoas comuns e segundo as próprias palavras, ele pensava que esse esforço fosse dar um lugar de destaque entre os poucos eleitos. Logo, esse desejo de exclusividade e superioridade não é compatível com a jornada que o guia tenta proporcioná-lo, com a bonificação da busca espiritual. Ele estava ali pela busca do objeto, só que incansavelmente o guia tentava explicá-lo que ele só iria conseguir chegar à espada depois de conseguir atingir certa maturidade espiritual. O livro continua e cada vez mais o autor parece não entender isso.
De acordo com Petrus o maior meio de atingir essa maturidade espiritual é conhecendo Ágape, que resumidamente é o amor. Porém, parece que o autor não consegue entender que para compreender o amor em sentido amplo, você tem que se desprender do materialismo e do concreto, entender que o amor não é um estado de espirito a ser sentido apenas em alguns momentos e não é algo sólido, tem as suas nuances e tonalidades e dentro dessas tonalidades que compõem o que é o amor, existe a empatia e é só através dela que vem a humildade, porque assim você se põe no lugar do outro e entende aquele contexto social e emocional que a pessoa está inserida, para que assim você não cometa um ato elitista e insensível. Ele não demonstra uma faísca de empatia e o livro é sobre uma busca pela humildade que ele não conseguiu atingir.
A prova disso vem com o avanço das páginas, quando Paulo Coelho diz ‘’Petrus tinha toda a razão. Seria uma injustiça divina permitir que só as pessoas instruídas, com tempo e dinheiro para comprar livros caros, pudessem ter acesso ao verdadeiro Conhecimento.’’ Por que isso seria uma novidade para o autor? Isso é básico. Essa vontade de se sentir superior e sábio acima de todos, cegou seus olhos e encobriu a questão de que pessoas pobres não poderiam adquirir todo esse conhecimento por falta de dinheiro. É uma linha de pensamento que para o autor não é interessante, ou que nunca nem tenha passado pela sua cabeça, porque no meio em que vive as pessoas conseguem comprar livros caros para ter o conhecimento e se não fazem isso é porque não querem e não porque não podem. Então, pensar que todo mundo tem esse acesso fácil de livros de conteúdo e não fazem porque não querem e não porque não podem, é puro etilismo.
Procede a leitura e esses sentimentos antagônicos persistem. ‘’Tudo aquilo me parecia muito primitivo, ligado demais ao cristianismo e sem o fascínio e o êxtase que os Rituais da Tradição eram capazes de provocar em mim.’’ ‘’Estávamos em pleno século XX, e os conceitos de inferno, de pecado e de demônio já não faziam mais o menor sentido para qualquer pessoa um pouquinho mais inteligente.’’ Você não precisa ser uma pessoa religiosa ou espiritualista para entender que essas falas de Paulo Coelho soam arrogante por ele achar que aqueles que possuem o privilegio do conhecimento não fazem parte de tal religião ou acreditam em tais conceitos. Só se casam com o semblante soberbo que foi demonstrado logo de início e sustenta ainda mais o seu elitismo. Fica até compreensível entender o porquê lhe foi negado a espada logo de cara.
E nesse amplo sentido do que é o amor, tem uma parte que até o Petrus foi insuficiente. Quando em sua análise do garçom ele conclui que o garçom deveria estar irritado porque a vida dele se restringe em acordar cedo, trabalhar e imaginar mulheres que nunca vai ter e que essa irritação estaria matando o amor dentro de seu coração. E é engraçado essa analise fabulosa e limitada, em não enxergar a realidade e chegar a dedução de que ele está nessa vida que gera e acumula estresse e consequentemente mata o amor dentro de si porque ele é pobre. O garçom não pode simplesmente largar o trabalho e ir peregrinar em uma jordana espiritual e entender o sentido da vida e do amor pela simples pergunta que todo pobre conhece: como ele vai se sustentar? Onde ele vai dormir? E se ele tiver algum parente que dependa financeiramente do pouco dinheiro que ganha no trabalho? É fabuloso querer falar apenas de uma busca espiritual e não falar que a realidade tem que ser compatível a isso, e como a realidade pode atrapalhar essa busca.
Em um único momento do livro é citado que Petrus é um comunista e você se pergunta, como ele não pensou que isso seria culpa do capitalismo? E se pensou, por que isso não foi dito de forma clara? O livro não se tornaria um livro político por essa simples passagem, até porque já foi declarado o lado político dos protagonistas, então fiquei a me perguntar mais uma vez se isso foi acometido novamente pelo olhar da própria bolha, o elitismo. Por nem se passar na sua cabeça o quão prejudicial é a falta de dinheiro. E a cereja do bolo é quando Petrus diz ‘’Tenho certeza de que minha agressividade feriu seus brios e conteve pelo menos por algum tempo a morte de Ágape.’’ Como se trazer mais agressividade fosse fazer o garçom expandir o seu amor dentro de si e não proporcionar mais ódio ao trabalho por ter que lidar com o público.
Uma parte que me chamou muita atenção foi em uma das raríssimas vezes que ele cita a esposa, no exercício do enterrado vivo, e o que lhe vem à cabeça de cara é que a esposa vai esquecê-lo, casar com outro e gastar o dinheiro que lutaram para juntar durante anos com esse outro. É de um apego ao materialismo e mesquinharia tão grande, que se liga ao palpável e não se passou pela cabeça dele o abstrato, o sentimento de tristeza que ela poderia ter, de abandono pelo luto, de enterrar o seu amor junto com o marido, é apenas no dinheiro.
É difícil entender como uma pessoa enseja chegar a uma posição de poder sem ao menos ter esse autoconhecimento. O autoconhecimento é questão de amor-próprio, e de fato, não tem como amar o próximo sem você se amar, o que inclusive é falado por Petrus. Ame o seu próximo como a ti mesmo.
O guia fala sobre diversos ensinamentos que vão de rituais, citações históricas, lição de moral e a busca espiritual, mas a todos os momentos ele é obrigado a repetir e deixar claro que não adianta saber a teoria se não for aplicada na prática, sobretudo, o amor, ágape. Mas o autor não consegue atingir esse entendimento porque a todo momento demonstra uma resistência em confiar no seu guia e acreditar que Petrus é incapaz de lhe ensinar algo, o que foi até confessado no final do livro.
Quando o guia finalmente o abandonou por entender que o Paulo Coelho percorreu todo aquele caminho e não entendeu o significado e as nuances do amor, mesmo o livro dando a entender que nas ultimas páginas o autor conseguiria entendê-lo, as minhas esperanças já haviam acabado, porque essa maturidade se adquire com o dia a dia, com a vida, que é o que Petrus disse no início. Ele acha o objeto, o material, mas não o abstrato, a humildade.