Vitor Hugo 01/09/2024
UMA EXCEPCIONAL MULHER E O TERRÍVEL SÉCULO XX
Indiscutível o sucesso da biografia "Olga", de Fernando Morais. Basta ver o número expressivo de edições e reimpressões do livro. E, ainda, a adaptação cinematográfica de 2004, com Camila Morgado interpretando Olga.
Aliás, um dos grandes méritos do autor é conciliar a pesquisa em fontes primárias (várias entrevistas, com Prestes, por exemplo), reconstituição dos fatos e narrativa de forte apelo visual, como, por exemplo, quando Olga, na maca, avista a bandeira da Alemanha nazista tremulando sobre o navio La Coruña. O livro "pedia", portanto, uma adaptação para o cinema.
No entanto, a obra não está livre de certas "derrapadas" do autor, o que ocorre, parece-me, pelo seu próprio viés ideológico, bem como pelo papel de biógrafo em si, naturalmente a enaltecer a figura biografada.
Disso decorre um certo maniqueísmo não percebido pelo leitor mais desatento e/ou desinformado, que acaba se enlevando pelo caráter mais, digamos, romântico, da vida de Olga (e de Prestes).
Nesse sentido, percebe-se uma insistente caracterização do governo Vargas como o "bandido", enquanto que os comunistas são idealistas vítimas da tirania. Ora, enquanto Prestes e Olga estavam detidos no Brasil, o camarada Stálin, na URSS, "tocava o terror", torturando, prendendo e fuzilando MILHÕES de pessoas, várias das quais aliadas até o dia anterior (leiam sobre os expurgos da década de 1930).
Na mesma toada, a mim me pareceram peremptórias demais questões bem discutíveis, como, e principalmente, a questão da deportação de Olga, tratada como um caso claro e indiscutível de ilegalidade. Não foi o caso, embora sob o ponto de vista jurídico da dignidade da pessoa humana a decisão possa mesmo ser questionada. Para alguém que quiser se aprofundar, há excelentes artigos jurídicos disponíveis na internet qua analisam o caso, em especial a partir do julgamento do HC impetrado em favor de Olga.
Feitas tais ressalvas, não há como negar se tratar de um texto empolgante, que bem exprime em seu ritmo vibrante a vida idealista e a morte trágica de uma grande e excepcional mulher.
A reflexão que fica é que, acima de fascismo, nazismo, comunismo, totalitarismo, o que precisamos mesmo é de mais humanismo. E ainda hoje, pois vivemos um tempo em que um candidato à presidência dos EUA chama imigrantes ilegais de "animais", enquanto que no Oriente Médio um povo é vítima de um genocídio que ninguém mais parece sequer lembrar.
Por fim, eu diria que imprescindível contextualizar os fatos de maneira mais completa com a leitura da biografia de Prestes, da autoria de Daniel Aarão Reis, outro livro excelente.
Que prevaleçam os ideais de humanidade e dignidade.