Livros da Julie 16/07/2019Saga sobre os mouros no final do século XVI-----
"Vitória duvidosa, e de acontecimentos tão perigosos, que algumas vezes se teve dúvida se éramos nós ou os inimigos quem Deus queria castigar."
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"Morte é esperança longa."
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"... dedico este livro em homenagem a todas essas crianças que sofreram e infelizmente ainda sofrem as consequências de um mundo cujos problemas somos incapazes de resolver."
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O livro narra as desventuras de Hernando Ruiz, filho de uma mourisca espanhola e de um sacerdote cristão que a violou. Submetido a uma vida de maus tratos em Juviles, sul da Espanha, após o casamento de sua mãe com o muçulmano Brahim, que despreza sua origem, Hernando encontra refúgio no aprendizado da cultura e da religião islâmica com um respeitado sábio da região.
A história começa em 1568, quando acontece a Rebelião das Alpujarras, também conhecida como Guerra ou Revolta dos Mouriscos, motivada pela insatisfação dos mouros com o tratamento que lhes é dado pelos cristãos e com as restrições que foram estabelecidas com a edição da Pragmática, em 1° de janeiro de 1567, após a entrega do Reino de Granada aos Reis Católicos da Espanha. Até então, mesmo após a derrubada do reino muçulmano na Península Ibérica, os mouros que ali viviam continuavam exercendo sua religião e seus costumes, mas foram forçados a deixá-los e se converterem, sendo duramente castigados se não cumprissem a nova norma.
É nesse contexto que Hernando, com apenas 14 anos, se vê envolvido no meio de uma rebelião sangrenta e cruel e tenta manter-se íntegro no caráter e em suas convicções religiosas, apesar de todas as provações pelas quais se vê obrigado a passar e da eterna sensação de não pertencer efetivamente a nenhum dos grupos.
Cobrindo um período de 44 anos, o livro traz descrições minuciosas da geografia andaluz, das cidades espanholas e das mesquitas transformadas em igrejas, bem como vívidos pormenores da vida nas serras, do trabalho com mulas e com couros, da criação de cavalos, dos eventos precursores das touradas, do mercado de escravos, das prisões, da mendicância, dos costumes muçulmanos e cristãos e da violência praticada por ambos os lados. As batalhas, os julgamentos, o funcionamento da Corte e da Inquisição são narrados com precisão histórica, tendo sido incluídos todos os personagens reais que contribuíram para as circunstâncias ali descritas.
Percebe-se o quão difícil era (e ainda é) a convivência entre as duas religiões, o quão arraigados são o preconceito e a intolerância, e o tanto que a ignorância dificulta a compreensão e a aceitação do que é diferente. A perfeita convivência social revela-se, como sempre, um desafio em todas as suas esferas, desde a familiar até entre países.
Para superar as mais de 700 páginas dessa triste história, Hernando é construído como um verdadeiro protagonista de romance: persistente, intrépido e incompreendido. Após muitos percalços, ele consegue se estabelecer em Córdova e trabalhar em prol de sua comunidade com Fátima, seu grande amor. Mas quando se crê que as coisas estão prestes a melhorar de vez, aparece um novo obstáculo, e mais um baque, e outro, e outro... Passa-se o livro inteiro torcendo por Hernando, esperando que ele possa, finalmente, ter uma vida de paz e tranquilidade.
A Mão de Fátima é um livro muito mais denso e descritivo que A Catedral do Mar, do mesmo autor, que, aliás, recomendo muitíssimo. Mas a narrativa lenta é recompensada pelo impressionante relato da vida na Andaluzia no final do século XVI, que nos faz refletir bastante sobre nossas crenças e todos os costumes e ideias que sobreviveram até os nossos dias. Somos um produto do passado e, se de fato queremos um futuro melhor, ainda há muito por mudar.
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