Luciano Luíz 23/03/2019
Século VI, Mohamad (Maomé),um homem aparentemente como qualquer outro andando pelos montes (ou planícies) quando de repente um anjo aparece e diz se chamar Gabriel e ordena que algo seja recitado. Mohamad pergunta o que é, mas o anjo apenas repete: recita. E eles ficam nisso um tempo. Depois o anjo finalmente começa a falar e Mohamad inicia a gravação na memória. O ALCORÃO (ou CORÃO) ao que tudo indica foi recitado em duas partes para Mohamad em duas cidades diferentes.
Impressiona que um livro escrito no século seis ainda seja utilizado como lei em pleno século 21. Ou seja, não é só uma obra religiosa, mas um amontoado de regras que devem ser fielmente seguidas por muçulmanos.
O Corão é composto por mais de 100 suras (capítulos) com muitos versículos. No entanto, é absurdamente repetitivo. Suas quase 500 páginas (na edição de bolso que li) poderiam muito bem ser diminuídas para 150 ou menos e assim mesmo o conteúdo não seria afetado na questão primordial.
Quem leu a Torá (livro sagrado dos judeus) vai perceber fragmentos do Velho Testamento. Quem leu a Bíblia cristã (ao menos uma das versões) vai ver menções ao Novo Testamento. O Corão sem dúvida existe porque se baseou na Bíblia e a Bíblia se baseou na Torá e a Torá por sua vez se originou graças aos Vedas hindus. Mas aqui o caso não é essa comparação de quem veio primeiro.
O Alcorão tem um estilo poético (enquanto a Bíblia é contada em forma de crônica) e por causa disso sua leitura ainda que repleta de repetições, flui de maneira rápida e fácil para se encontrar. As suras tem títulos, mas nem sempre estes refletem o conteúdo. Também não há uma ordem cronológica. No geral, se fosse classificar o Alcorão na área da literatura, ele facilmente se mostra como um poema épico em adoração a divindade maior.
Curiosamente o Corão reconhece a Torá e também o Novo Testamento e Jesus Cristo. Onde este é considerado como um Mensageiro (profeta). Portanto, no Alcorão, Jesus é identificado como alguém que veio fazer o bem. Porém, em suas vastas páginas vemos que Mohamad é provavelmente considerado a última tentativa de Deus para trazer a verdade e salvação da humanidade.
Em diversos momentos Mohamad é mencionado como o Mensageiro que não inventou o Alcorão, mas o recitou após ouvir do Anjo. Também fica claro que foi escrito em árabe para que sua leitura fosse acessível a todos (ou ao menos a quem sabia ler e assim declamasse para outros tantos).
O Corão tem sua beleza e fascínio em questão de poesia. Mesmo quando menciona histórias conhecidas do Velho Testamento o livro funciona de um jeito veloz. Pode ser lido por qualquer sura que isso em nada muda. Os leitores tem uma liberdade que não existe em outros livros sagrados.
Além da adoração de Deus, temos um tanto do Jardim das Delícias (Éden, Paraíso...) onde rios correm sem fim tendo água, leite, vinho e mel (livros religiosos escritos em regiões desérticas sempre contém a promessa de rios sem fim...). Ali há as donzelas (eternamente virgens) e sempre com a mesma idade (não menciona quanto, mas possivelmente são bem jovenzinhas) e seios firmes prontamente dispostas a entreter quem adora e teme ao Senhor Deus. Talvez seja por isso que tanta gente se converte...
Também temos os djims (demônios) que atormentam os pecadores em Geena (Inferno). Aliás, este é um dos lugares mais terríveis que já foram apresentados em livros religiosos. O Inferno cristão é coisa leve se comparado ao apresentado no Corão... E assim como as coisas boas, as más no livro são infinitamente repetidas...
É uma obra onde Deus é elevado a uma altura onde nenhuma outra narrativa o fez. Há quem possa dizer que pelo teor é facilmente percebido como fanatismo. No entanto, o Alcorão é muito mais sério em todas as questões apresentadas. Os textos foram criados de uma maneira que o leitor (ainda que de outra religião ou até mesmo ateu) compreenda que ali só há dois caminhos: ou une-se a Deus ou então vai para a Geena. E que Deus não é apenas poderoso, sábio, onipotente, maravilhoso ou o criador de tudo e até mesmo do mal, mas alguém que quer se fazer sentir. Num aspecto mais simples, pode-se afirmar que o Alcorão exala um respeito e temor divino mais perceptível em seus versículos.
O Alcorão é uma ótima leitura (tirando o excesso de repetição) para quem gosta de poemas épicos, quer saber mais de outras culturas, sobre o islamismo e enxergar além do que conhece através de outras obras alicerçadas em crenças.
É comum ouvir falar do Alcorão nos noticiários quando a questão envolve terrorismo, porém, o livro em si tem seu valor literário, cultural e histórico e não deve ser confundido com a questão do fanatismo e atos de terror (ainda que seu escrito exale o poderio e ameaça de Deus aos descrentes e prevaricadores).
Aqui também vemos direitos e deveres de homens e mulheres, de ajudar os mais necessitados, de respeitar, não ridicularizar outrem, de fazer o bem ao próximo. Mas não menciona a busca pela guerra. A não ser é claro que alguém lhe ataque e dessa maneira deve ir ao confronto.
Já li vários livros relacionados a religiões, mas o Corão sem dúvida figura entre os mais bem escritos (apesar de repetir, repetir e repetir).
L. L. Santos
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