carlos 16/02/2020
Ficassem eles uma semana casados, um enlouqueceria o outro de tanto falar.
Beatriz e Benedicto são os típicos enemies to lovers que amo ler sobre. As discussões entre os dois foram os pontos mais cômicos da peça. Apesar das semelhanças com Katherina e Petruchio de A Megera Domada, Beatriz e Benedicto foram mais leves e descontraídos. Mas, preciso dizer que achei que o romance não fez lá muito sentido, considerando que há passagens demais sobre como Beatriz odeia homens e Benedicto é excessivamente exigente para com mulheres. Não querendo ser como aqueles professores de literatura que apontam traços de homossexualidade a torto e direito, mas…
Outro ponto bastante relevante na história é a falsa acusação de promiscuidade de Hero. Me lembro de que na faculdade, assisti a uma palestra de um professor que disse que na linguagem elisabetana, “thing” era um modo de se referir ao órgão genital masculino. Assim, “nothing” era igualmente uma referência ao órgão genital feminino, e portanto, Muito Barulho por Nada também diz respeito a Muito Barulho por Vagina. E, de fato, o gênero é um ponto relevante na trama, já que grande parte da história gira em torno da discussão da (falta de?) virgindade de Hero.
Beatriz se indigna com as falsas acusações à reputação de sua prima, e nesse ponto da peça tive aquela conhecida sensação de Shakespeare tinha acabado de escrever a história ontem, tão atual que foi a colocação da personagem: ”Ah, se eu fosse homem! Conduzindo-a pela mão, falsamente, até o momento de andarem de mãos dadas, para então, em acusação pública, numa infâmia revelada nua e crua, num rancor desenfreado... Ah, Deus, se eu fosse homem! Comia-lhe o coração em praça pública. […] os homens são tão somente o que dizem suas línguas, e essas ainda por cima são curtas e enfeitadas. E um homem pode ser tão valente como Hércules: basta contar uma mentira e jurar que é verdade. Não vou virar homem só porque quero, então vou morrer mulher porque sofro.”
Apesar de essa não ser uma peça em que os papeis de gênero são tão diretamente discutidos, como em Como Gostais e Noite de Reis, essa fala de Beatriz em diálogo com Benedicto me pareceu significativa e sintomática, além de destacar um problema social ainda inquietante no século XXI.
Ademais, o vilão Dom John me pareceu uma versão água com açúcar de Iago, de Otelo e Edmundo, de Rei Lear. Achei que seu desfecho foi fraco e poderia ter sido melhor desenvolvido, em cena, em vez de apenas ser reportado no último ato.