@carolina.nrodrigues 06/02/2022
As Valkírias
É verdade que eu tinha um “ascozinho” ou “rançozinho” do Paulo. É até meio estranho confessar isso e pensar que ele pode vir um dia a ler tais palavras. Pois é, é isso mesmo. Acontece que mais nova eu tive contato com pessoas que me falaram mal dele e eu marquei isso. Engraçado como o negativo ficou tão visível.
Então eu me recordei de alguém um dia falando lindamente dele, me recomendando um livro. Um cara bem autêntico, no final das contas. Um mago, como ele mesmo se rotulava. Então, em um dia do isolamento corporal, passamos em frente a um sebo, talvez premeditadamente, onde tinham livros sendo doados. Compramos uns três e levamos outros da promoção e dentre eles estava “As Valkírias”. Eu já havia pensando em ler um livro mais leve, isso é, sem ser acadêmico, direito, lei, palavra difícil.
Entendi. Havia chegado o momento de nos encontrarmos, Paulo. E eu vi na tua escrita vontade de passar algo pra frente. Uma filosofia, uma tese, uma crença. No final do livro eu já estava com o coração flutuando, como se eu tivesse resgatado algumas dúvidas que eu havia abandonado pelo caminho.
Acontece que eu também sou essa pessoa espiritualizada, que há anos experimenta uma conexão com algo. Algo que não é material. Como se estivesse de outra forma, como a divisão da água em líquido, gasoso, sólido. Algo que não necessariamente se resume em um. E por já ter certo contato e pretensão sobre a matéria, considerei como a continuação de um aprendizado que há muito já semeio. Passei por lugares e conheci coisas através da curiosidade e foi curiosidade que me fez conhecer Paulo.
Me vi lendo na beira da praia ou em uma rede no meio das árvores. Apenas sonho. No meio do home office, das vasilhas e roupas para lavar, parei um pouco para ler as palavras secretas e misteriosas que o livro me dava.
Paulo, um mago, decidi ir para o deserto na América do Norte, mais especificadamente no deserto do Monjave, para encontrar seu anjo. Chris, sua esposa, o acompanha pelo caminho e tem um papel relevante em todo o percurso. Para encontrar seu anjo Paulo entra em contato com Took, que lhe ensina o processo de canalização. O conhecimento é passado de forma simples e é um grande incentivo para que você mesmo realize, no momento da leitura, ou depois, em algum momento de necessidade.
Inicialmente considerei que o processo de canalização fosse tal como o de meditação, mas certamente foi uma ingenuidade minha. A canalização te conecta com a segunda mente, aquele espaço no qual passam mil pensamento sem nenhum controle e que existem por algum motivo. Você se senta para sentar e sua mente começa a gritar de forma iluminada. E tal processo é considerado um meio de comunicação espiritual, o que o difere muito da meditação.
Minha primeira conclusão veio de algumas características que compõem ambas as práticas, tais como o respirar consciente, o sentir o corpo, sentir o ambiente, ou seja, basicamente o estar presente. Mas, em certo ponto eles não se coincidem mais. Na canalização você observa a segunda mente. Na meditação você desliga a segunda mente.
Dizem que através da Canalização o homem tem contato com a verdadeira Sabedoria Universal, aproxima-se de Deus, descobre os muitos universos que estão em sua alma e traz de volta as forças espirituais de luz e de proteção. Na primeira prática do livro, da qual transcrevo partes aqui, é possível viver a experiência junto com Chris, quando ela é ensinada a canalizar:
“Dirigiu-se à cadeira de alumínio, sentou-se e fechou os olhos:
- Em que está pensando? – perguntou Took.
- No que vocês falavam. Em Paulo viajando sozinho. Em segunda mente. Se o seu anjo tinha asas. E por que isto está me interessando tanto. Afinal de contas, acho que nunca conversei sobre anjos.
- Não, não. Quero saber se existe outra coisa acontecendo em seu pensamento. Algo que você não controla.
Ela sentiu as mãos dele tocando os lados da sua cabeça.
- Relaxa, relaxe – o tom de sua voz estava mais suave - Em que você está pensando?
Havia sons. E vozes. Só agora ela se dava conta do que estava pensando, embora estivesse com aquilo na cabeça quase um dia inteiro.
- Uma música – respondeu -. Estou cantando sem parar essa música desde que escutei ontem no rádio, quando vínhamos para cá.
Sim, ela estava cantando esta música sem cessar, começava e acabava, acabava e começava de novo. Não conseguia tirá-la da cabeça.
Took pediu que ela tornasse a abrir os olhos.
- Está é a segunda mente – disse. – A que está cantando a música. Poderia ser uma preocupação qualquer. Ou, se você estivesse apaixonada, podia ter ai dentro a pessoa com quem gostaria de estar, ou que desejaria esquecer.
Mas a segunda mente não é fácil. Ela trabalha independente de sua vontade.
Quando Took apareceu e mostrou ser uma pessoa gentil e vidrada em um propósito eu entendi a realidade em que eu fui direcionada a ver. Um jovem fiel, que conversou com seu anjo. Tão simplesmente assim. Angustiei-me com a ansiedade de Paulo para entender que ele lhe ensinava através da esposa, por conta das regras estritas (assim me pareceram) do “grupo”. Fiquei orgulhosa em ver uma mulher em contato com algum tipo de espiritualidade que a faz pensar e lhe coloca em movimento. Chris floresce ao decorrer de cada segundo na viajem.
O capítulo do encontro com a “besta” me assustou e também não me assustou. Acontece que eu sou bem fiel ao amor. E creio que estou nesse caminho, então não temo que qualquer coisa parecida vá acontecer comigo. Mas me intrigou o fato de que alguém sentisse o mundo cair e se partir aos seus pés, por conta de alguma conexão com um outro ser, que pudesse lhe perturbar psicologicamente por horas torturantes, com sensações físicas extremas. Não vou entrar muito nesse ponto, pois Paulo relata sintomas físicos e pequenos detalhes. Esse não foi o ponto do livro, foi apenas um detalhe importante.
O ponto é a conexão com o anjo. E claro que esses dias o assunto tem permanecido aqui. Eu sempre me prendi a uma espiritualidade que me foi dada, mas não me havia sido pensada. Quando questionei e me senti, aquilo que existia aqui dentro, decidi mudar alguns pontos. Muito do que desejo aprender encontrei no meio das Valkírias, guerreiras, fortes, fiéis, sábias. É verdade que me conectei muito mais com a forma do ser mulher, por identificação, do que com a forma de um possível anjo. Me conectei com Chris, que se desafiou a conhecer algo novo pelo amor. E com Paulo, que me mostrou magia e me fez acreditar.
Mesmo assim, após dias do livro e seu impacto permanente em mim, a vela continua em cima do pires para ser acessa. Ocorre que falar de anjos me emociona sobremaneira, como se algo no fundo acreditasse realmente nessa luz que veio nos ajudar durante a empreitada que é viver nessa Terra. Quando penso no meu anjo, sinto como se ele fosse meu melhor amigo de outras vidas e que escolheu me proteger nessa. Por mais que eu sinta que preciso de algo que me comprove a existência real desse anjo, tal pensamento me cansa. Deixa-me exausta pensar nessa espera do sobrenatural, como se mais dia menos dia o meu anjo fosse aparecer, bem na minha frente. Este evento me provaria tudo?
Só que, quando assim penso, reviro os olhos. Sei que não vai ser tão fácil assim. Na verdade, eu não sei quando seria, como me encontraria com ele, onde. Só sei que, hoje, tudo ainda permanece dentro das páginas dos livros.