otxjunior 02/01/2022O Terceiro Homem, Graham GreeneOu o livro que não foi escrito para ser lido. Da orelha e prefácio que não são tímidos em apresentar spoilers à declaração do autor de que o filme é superior, comecei O Terceiro Homem, de Graham Greene, sem grandes expectativas. O que acho ter contado a favor deste curto romance de espionagem, cuja existência o escritor justifica como preparação para o roteiro de sua versão homônima e mais famosa, estrelada por Orson Welles como o vilão carismático.
Intrigante desde sua concepção, esta obra tem o fascinante cenário de Viena logo após a Segunda Guerra Mundial, período em que a cidade é administrada por quatro frentes representadas por diferentes nações aliadas: Inglaterra, França, Estados Unidos e União Soviética. Há um clima de conspiração, com uma parcialidade ocidental, claro, na oposição contra os russos, que beira à sátira. O disse-me-disse gerado pelos muito personagens provoca uma confusão intencional que diverte imensamente através de um humor que oscila entre o político, muito particular da época da Ocupação, e o farsesco, típico dos ingleses.
O herói, que não é o narrador, se define em suas palavras como um escritor de segunda classe, que queria apenas entreter o público, que bebe demais, e que se apaixona por garotas. É percebido por outro personagem, no entanto, de maneira mais complexa como portador de dupla personalidade, inclusive com o nome respondendo por uma e o sobrenome por outra - sendo o duplo e identidade temas caros à novela. Esta manipulação quanto a caracterização de personagens, e também do tempo, que antecipa eventos e lança pistas sobre uma trama propositalmente tortuosa, representa empolgante exercício de gênero. O estilo sinuoso se dirige sempre ao leitor com a intenção de enganá-lo e é dominado perfeitamente por Greene, que diferente de seu protagonista é de primeira classe.
Ainda com uma ilustração do mal inusitada, envolvendo ideologias humanitárias e benevolentes, a história tem um clímax digna de, bem, cinema. Não devo demorar a consumi-la na mídia para que foi idealizada, sem preocupação de já conhecer o enredo. Em sua versão impressa, a informação previamente revelada não diminuiu em nada meu choque ou, a propósito, qualquer parcela de meu entretenimento.